Devemos ao repórter Artur Rodrigues uma relevante descoberta sobre nossos novos costumes eleitorais. Em reportagem na Folha de S. Paulo, ele revela que João Dória, o novo prefeito de São Paulo, patrocinou a campanha de 9 vereadores que irão compor sua base de apoio na Câmara Municipal (Dória financiou outros cinco candidatos, que acabaram como suplentes).
Capaz de apostar R$ 2,9 milhões em sua própria campanha, dinheiro retirado do próprio bolso, Dória gastou R$ 980 000 com a vereança. Seis vereadores receberam em torno de R$ 100 000, uma raridade em tempos de vacas esqueléticas. Em oito casos, os recursos de Dória representam pelo menos 20% do total de contribuições amealhadas, sinalizando a importância de sua ajuda para as candidaturas.
Não há nada de ilegal nesta situação. A legislação em vigor proíbe contribuições de empresas para as campanhas eleitorais. A única exceção envolve doações de candidatos-empresários. A lei não estabelece limites para a auto-ajuda.
O debate entre dinheiro, eleição e política é antigo, no país, contudo. Há apenas quatro anos, quando o Supremo fez o julgamento da AP 470, o PGR Roberto Gurgel falava em “compra de votos”, “propina” e “suborno” para denunciar o esquema que Roberto Jefferson definiu como mensalão. Dezoito parlamentares foram acusados, seis integrantes do Partido dos Trabalhadores. Eram denunciados de “corrupção passiva” por Gurgel, sustentando que entregavam apoio em plenário em troca de dinheiro. Reforçando o caráter moral de sua denúncia, várias vezes falou em “compra de consciências”. Num pronunciamento, disse que o esquema “maculou gravemente a República. Foi um sistema de enorme movimentação financeira com objetivo de comprar votos de parlamentares nas matérias importantes para os líderes criminosos”.
Dória é um empresário privado, com um patrimônio declarado de R$ 180 milhões. Fez uma campanha ideológica, em nome do Estado mínimo, prometendo privatizar desde o Estádio do Pacaembu e o autódromo de Interlagos até os cemitérios. Alguns clientes do setor público garantem, porém, contribuições máximas.
A atividade mais conhecida do empresário Dória envolve a promoção de eventos em Comandatuba, aberto apenas a convidados, onde empresários e executivo do setor privado ficam a vontade para encontrar-se com ministros de Estado e outras autoridades de primeiro escalão.
Padrinho da candidatura do novo prefeito, capaz de enfrentar caciques de primeira linha do PSDB para impor o nome de um novato em disputas eleitorais, entre 2014 e 2015 o governo Geraldo Alckmin despejou uma verba de R$ 1,5 milhão em revistas de baixa tiragem publicadas por Dória. Conforme um levantamento da Folha de S. Paulo, entre 2010 e 2016, dez governadores do PSDB despacharam R$ 10,1 milhões para os cofres do empresário-candidato. Não é pouco dinheiro. Equivale a três vezes a quantia que Dória colocou, do bolso, na própria candidatura. Ou mais de dez vezes o montante usado para financiar os vereadores de sua base de apoio.
Campanha de estreia da nova legislação, que corretamente proibiu doações de empresas privadas, as novas regras permitem a auto-doação, sem limites. Encontra-se aí uma brecha enorme, pela qual o poder econômico consegue estabelecer relações privilegiadas com o poder político, comprometendo a relação essencial de toda eleição, que deve ser a mais próxima possível da equação de 1 homem = 1 voto.
Os erros e acertos da legislação eleitoral exigem um esforço de aperfeiçoamento constante. É bom evitar confusões e mal entendidos.
O juiz Sérgio Moro chegou a escrever, num despacho em que definia a prisão preventiva de Antônio Palocci, que o país possui uma “democracia vendida.”
Discordo.
Embora possua defeitos, imperfeições e até aberrações, o sistema eleitoral brasileiro já demonstrou ser a expressão mais aproximada da soberania popular — a razão pela qual, periodicamente, a população de um país vai às urnas.