Câmeras espalhadas por cidades baianas têm monitorado possíveis fugitivos da Justiça com um banco de rostos de foragidos. Mais de 300 pessoas foram capuradas pela tecnologia de reconhecimento facial no primeiro trimestre, de acordo com Secretária de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA). Apesar de a SSP-BA comemorar o número, especialistas em segurança pública apontam que a ferramenta reforça o combate à criminalidade através da política de encarceramento, o que consideram uma forma equivocada de enfrentar a violência no estado.
Coordenador da Rede de Observatórios da Segurança Pública na Bahia, o historiador Dudu Ribeiro afirma que o uso da tecnologia é “um grande retrocesso”. “A gente não está tirando a violência das ruas, a gente está refinando um sistema criminal que persegue determinados grupos e populações”, diz Dudu. O historiador cita o dado da própria Rede de Observatórios de que 90% das pessoas capturadas com a tecnologia no Brasil são negras.
A crítica é semelhante à do coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), o cientista político Pablo Nunes. Para ele, a tecnologia não reduz índices de criminalidade nem aumenta a sensação de segurança pela população. “É uma tecnologia que vem para reforçar essas engrenagens racistas que colocam pessoas negras no sistema penitenciário”, diz o cientista político.
Dados divulgados nesta semana sobre a segurança pública da Bahia reforçam que a violência no estado tem aumentado. Em 2022, a Bahia foi o estado com mais mortes violentas intencionais do país, com 6.659 casos. Em contrapartida, a SSP-BA divulgou o balanço do primeiro semestre de 2023, apontando para a redução de 4,5% nesse tipo de crime.
INVESTIMENTO DE R$ 650 MILHÕES
Para o superintendente de tecnologia da SSP, coronel Marcos Oliveira, a diminuição em crimes violentos registrada pela secretaria estaria ligada ao investimento feito em tecnologia e na melhoria das condições de trabalho dos policiais. O sistema de reconhecimento facial baiano foi implementado em 2018 e custou cerca de R$ 650 milhões. Mais de 900 pessoas já foram capturadas com o sistema.
O programa já está em 80 cidades e deve ser expandido para mais 40 municípios, segundo Oliveira. “Estamos trabalhando fortemente para isso [a expansão] e acreditamos que a tecnologia, muito bem utilizada, entregue nas mãos dos policiais, possa surgir efeitos positivos na segurança pública”, diz Oliveira. O coordenador do CESeC discorda: “me parece que a postura da secretaria deveria ser em direção a construir uma regulação e normativas internas ou pautar esse debate sobre a regulação do uso dessas tecnologias na segurança pública”.
Para Pablo, até o momento, a sociedade está “no escuro em relação a responsabilidades e diretrizes das tecnologias”. Dudu também critica a falta de transparência. “Os dados não são públicos e a gente tem pouca condição como sociedade civil de medir a real eficácia e eficiência do uso dessa tecnologia”, afirma o historiador.
SISTEMA RACISTA?
Segundo o superintendente da SSP-BA, o sistema estaria resultando na inibição de crimes violentos como homicídios, feminicídios e latrocínios. Mas, pelos dados da própria secretaria, a maior parte dos suspeitos capturados pelo sistema são associados a crimes de roubo (35%) e tráfico de drogas (20%). Em seguida, estão os crimes de homicídio (19%) e estupro (6%). Para o coronel, a tecnologia de reconhecimento facial traz uma vantagem para o policiamento ostensivo porque “deixa de ser abordagem baseada no achismo do policial”.
O sistema de reconhecimento facial implementado na Bahia se baseia em um banco de rostos emitido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de pessoas com mandato de prisão em aberto. Em caso de algum rosto possuir, pelo menos, 90% de semelhança com algum dos fugitivos, um alerta é emitido para os Centros de Comunicação Integrada. A partir daí, um policial avalia, a partir da base de dados, qual o delito cometido e se há realmente semelhança entre as pessoas, seguindo para fase de identificação e abordagem in loco.
Para os coordenadores do CESeC e da Rede de Observatórios da Segurança Pública na Bahia, a tecnologia agrava o racismo na segurança pública, aumentando o encarceramento de pessoas negras. A assessoria da SSP-BA rebateu a acusação, afirmando que a secretaria “não separa prisão por raça”. Pablo Nunes frisa que, de acordo com dados de 2022, 68,2% dos presos no Brasil são pessoas negras, com mais de 442 mil encarcerados. Os dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Na Bahia, os dados mantém a mesma proporção de pessoas negras presas.
OUTROS ESTADOS
O uso da tecnologia do reconhecimento facial também é debatido em outros estados brasileiros. No final do ano passado, Entidades da Sociedade Civil acionaram o Ministério Público de São Paulo após o governo paulista abrir contratação para uma plataforma de videomonitoramento na capital. Entre as críticas feitas, os erros do sistema atingiriam de maneira desigual as populações vulneráveis, especialmente os negros.
De acordo com as entidades que criticam a tecnologia, os sistemas de reconhecimento facial têm resultado em erros baseados na “discriminação algorítmica”. O coordenador da CESeC ressalta que há uma dificuldade em se obter dados sobre a taxa de erros desses sistemas em virtude da dificuldade imposta pelos responsáveis. Para ele, é preciso uma transparência maior na gestão e uso desses dados.