Por Júnior Gonçalves
09/12/2019.
Numa entrevista feita por Caetano Veloso ao Pastor Henrique Vieira, no canal Mídia Ninja, do YouTube, em 2018, o entrevistador cita o livro produzido pela escritora judia e filósofa Hanna Arendt, intitulado “A condição humana”, e chama à atenção para uma passagem da obra em que a autora é taxativa ao dizer: “o maior acontecimento da história da humanidade foi o nascimento de Jesus Cristo”.
Dialogando com o comentário de Caetano, o Pastor Henrique faz uma leitura das circunstâncias do nascimento de Jesus que confesso nunca ter lido ou visto nada parecido, motivo pelo qual compartilho e deixo algumas considerações.
O Pastor começa falando de Maria, um mulher pobre de uma sociedade pobre e patriarcal que era Nazaré, batizada por São Jerônimo como a “flor da Galileia “.
Na visão do entrevistado , “tem um empoderamento feminino no contexto anterior ao nascimento de Jesus”.
O anjo Gabriel não vai pedir autorização ao marido (José), como esperado numa sociedade patriarcal, para o anúncio do que viria a ser o divisor de águas da história da humanidade.
Ele vai direto a Maria.
“Bem aventurada, vc é feliz”, diz o anjo Gabriel a Maria.
Ela, recebendo a notícia, entoa o canto de Maria, que traz na letra o seguinte trecho:
“…bendito seja Deus, que se lembrou da humildade da sua serva e do seu povo. E veio tirar a soberba do coração dos poderosos, os governantes dos seus tronos, despedir de mãos vazias os ricos e encher de bens aqueles que têm fome…”
Somente até aqui, diz o Pastor Henrique, temos três pautas contempladas no contexto anterior ao nascimento de Jesus: empoderamento feminino; o poder da arte, representado pela linguagem musical; e a pauta da justiça. Todo esse conjunto, traduzido no canto e no corpo de uma mulher.
Daí vem o nascimento do bebê Jesus que, por sua vez, não teve propriamente um “lugar” para nascer, o que remete a uma conexão flagrante com inúmeras famílias do Brasil, dessa dificuldade até pra se ter um filho ou uma filha pela falta de condições dignas de parto, afetando sobretudo famílias negras e pobres das periferias. Vale lembrar que a manjedoura, local onde Jesus nasceu, era um depósito de alimentos para animais.
Mesmo tendo adaptado o lugar para abrigar o bebê, existe todo um risco aí presente, toda uma vulnerabilidade e precariedade, mas também toda uma resistência para driblar o que se tornou muito comum em países pobres da nossa era, que é a mortalidade infantil.
Além de todo esse contexto que circunda o nascimento de Jesus de Nazaré, ainda temos um outro ingrediente na história que foi a visita dos reis magos, que simboliza nada menos que o próprio ecumenismo nas escrituras sagradas, que revela, nas palavras do Pastor, que a bíblia é mais aberta que os próprios cristãos.
E depois disso, ainda tem outro detalhe: o imperador de Roma, Herodes, ficou sabendo, segundo a memória bíblica, que havia nascido o menino rei, o que foi suficiente para que o mesmo mandasse degolar todas as crianças de até 2 anos de idade.
Jesus, assim como muitas crianças, adolescentes e jovens das favelas brasileiras, teve de resistir a um genocídio operado pelo próprio Estado.
Mas como a família de Jesus fez para salvar a criança? Levando para o Egito. Era necessário levar o bebê para um lugar onde ele pudesse passar despercebido. O que significa dizer que Jesus provavelmente não tem nada a ver com o quadro da parede que mostra um Cristo branco, olhos azuis e nariz afilado. E que, de algum modo, a África salvou Jesus e ele precisou ser aceito como imigrante.
Portanto, de um só tacada, ao se falar de Natal, isto é, do nascimento de Jesus, percebemos determinados elementos que geralmente não aparecem nos cultos da igreja evangélica ou nas missas da igreja católica.
Temos empoderamento feminino; música; justiça social no canto de Maria; ecumenismo e visão inter-religiosa com a visita dos 3 reis magos; e a celebração da abertura das fronteiras no momento em que a África salva Jesus e o aceita como imigrante.
Pelas razões expostas e já concluindo, o Pastor Henrique concorda com Hannah Arendt quando ela estabelece o nascimento de Jesus como o principal acontecimento da história da humanidade.
Do meu ponto de vista, para além do apelo comercial do natal e da nossa crença ou não crença, a grande lição aqui tirada, seja para o fortalecimento da espiritualidade cristã nas diversas formas de cristianismo, seja para o fortalecimento da luta por transformação das condições materiais de existência, a grande lição aqui tirada é o amor.
O amor, não aquele que se manifesta no romantismo dos casais, mas aquele que brota da nossa capacidade de empatia, ou seja, colocar -se lugar do outro e, consequentemente, indignar-se perante a injustiça cometida contra qualquer pessoa em qualquer parte do planeta.
Entretanto, esse mesmo amor brotado da empatia e consequente indignação perante a injustiça, de nada vai valer se também não vier traduzido da ação que liberta, da ação que transforma, da ação que é capaz de promover o bem comum e também fazer da mesa farta de natal, uma mesa que se estenda para o mundo.
Que tenhamos um feliz Natal, mas sobretudo a capacidade sempre renovada de nos transformarmos em pessoas cada vez melhores.
Prof. Jr Gonçalves
#cidadecidadã #tôdentro