O Carnaval é uma tradicional festa popular, realizada em diferentes locais do mundo, sendo a mais celebrada no Brasil, de forma hegemônica, onde as classes das pipocas (trabalhadores) são dominadas pelo mercantilismo, que são as classes dos burgueses.
Já discorrendo no Carnaval de Salvador, ao longo do tempo, sofreu profundas transformações, tanto no campo cultural, quanto na maneira como é planejado, organizado e realizado. Nesse sentido, inegavelmente, o trio elétrico, desde Dodô e Osmar, trouxe para o Carnaval da Bahia muitas inovações e profundas transformações, introduzindo na festa uma nova estrutura organizacional.
Uma faixa foi levantada no Circuito da Barra – Ondina
Se, com o trio elétrico, o Carnaval assumiu um caráter participativo, com pessoas brincando ao som eletrizado, tendo como espaço a rua, sem, inicialmente, nenhuma divisão de hierarquia e de território, os pobres fora das cordas, de forma desenfreada e, os que estão dentro das cordas com os blocos elitizados, amontoados nos espaços socioespaciais, de forma segregados. É uma festa da teoria dos paupérrimos de conhecimento que alimenta o poder dos poderosos e do outro lado, os Burgueses que alimentam os subservientes carentes de instrução do “SABER”. É diante dessas nuances, que devemos refletir sobre esses viéis, entre a Burguesia X Povão Plebeu.
Segundo Paulo Freire: “seria uma atitude muito Ingênua, esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de Educação, que permitisse, às classes dominadas, perceberem as injustiças sociais de forma crítica”.
Já diante do enfrentamento para participar do Carnaval, muitos são os foliões que enfrentam ônibus ou metrôs, lotados, tipo lata de sardinha, como se fosse “lixo humano”, mas, na teoria dos foliões e dos famigerados, continuam pensando: “Pelo menos esqueço meus débitos e esqueço meus problemas”. Pois é, teoria dos que estão abaixo da linha da pobreza, enriquecendo os detentores sorrateiros do poder econômico. Por isso chama-se quarta-feira de cinzas, realmente estarão, de fato, nas cinzas, a data que simboliza o dever da conversão e da mudança de vida, para recordar a passageira fragilidade da vida humana e que estão levando, à morte, paulatinamente.
Apesar de o evento, ainda ser considerado um Carnaval de rua, o que se assistiu foi a privatização do espaço público, através dos camarotes e blocos de trio, com uma clara hierarquização social, na ocupação do espaço público, que é público e que está sendo privatizado.
Com os trios elétricos, dentro das cordas, mantendo a burguesia e a semiburguesia, ainda há os que sacrificam o ano todo para se manter na burguesia.
O espaço público, na festa, passou a ser modificado e, até os esquemas de policiamento, passaram a ser pensados para além da proteção dos foliões que estão dentro das cordas e nos blocos fechados. Outro fator, é a comercialização dos blocos carnavalescos que a própria mídia induz ao capital, sem definir que o poder econômico prevalece sobre os proletariados e discorrendo para uma violência desenfreada.
Coerentemente, com a lógica mercadológica que passou a gerir a festa, o planejamento e o emprego da polícia passaram a ser pensados para promover a sua adequação, à criação e reforço de espaços segregados e excludentes, onde a sensação de segurança, tem fundamento maior na distância social do que na ausência de crimes.
A crise levou a crescer o número de foliões “sem cordas”, “sem abadás” e “sem camarotes”, fez com que as polícias, e particularmente a Polícia Militar, preocupe-se em avaliar cuidadosamente a realidade, mais ainda, em atender às demandas do ambiente, criando níveis de diferenciação e integração adequados a essas demandas, inclusive, estabelecendo redes com atores do setor privado, no gerenciamento e controle das multidões, que na sua integralidade, fica mais difícil atender há quase doze milhões de foliões, prensados pela multidão, nos circuitos de Salvador, enquanto poucos policiais conseguem conter as variáveis da violência.
Segundo Martim Luther King “A injustiça num lugar qualquer, é uma ameaça a justiça em todo lugar”.
Ainda nesse sentido, as disputas políticas entre o governador e o prefeito da nossa capital, na busca pelos seus egos dentro da mídia, por entender o aceleramento potencializado da ampliação da participação dos foliões “sem cordas”, “sem abadás” e “sem camarotes”, nos circuitos da folia, e que favorece a política de interesse que vai influenciar nas campanhas de 2020 e 2022. Claro que existem outras vertentes e aspectos, a serem examinados, com relação às novas tendências na organização e realização da festa carnavalesca, que não se limitam, apenas, aos aspectos políticos, mas, econômicos, culturais e sociais da questão, mas também extremamente político partidária e suas alianças.
Assim, eis o aumento considerável de atendimentos, nos módulos assistenciais à saúde, instalados nos circuitos da festa, por traumas na face e por ferimentos decorrentes do uso de instrumentos perfurocortantes, e, a quantidade de pessoas que foram atendidas no HGE e outras Instituições Hospitalares. Então, não se pode descartar a hipótese de se tratar de um efeito colateral da maior presença e estímulo daqueles que sofreram, nas últimas décadas, os fora da corda e os dentro da corda que, em analogia, são os burgueses e o proletariado, que desfilam no Carnaval em trios sem cordas, nos circuitos e, os ambulantes que sofreram em adquirir a permissibilidade para trabalhar no Carnaval, muitos sofrendo com a violência generalizada, por perderem seus bens de consumo para sua manutenção. É, diante desses pressupostos, interessante ressaltar que podemos estar vivenciando um processo de adequação entre o público e o privado, em uma festa que, ao longo do tempo, ganhou um aspecto estritamente comercial, em especial aqueles que absorvem o poder do capital financeiro. Veja o pensamento de Karl Marx:
“Numa sociedade dominada pela produção capitalista, até o produtor não capitalista é dominado por concepções capitalistas”.
Na década de 50, a criação do trio elétrico inaugurou um cenário democrático, minimizando tensões étnicas, sociais e econômicas. Os territórios da festa foram apropriados, conjuntamente, por multiparticipantes, de forma heterogênea. Enquanto que, a elite soteropolitana, não tardou a particularizar a criação de Dodô e Osmar, introduzindo longas cordas para delimitar os participantes dos seus blocos. Neste panorama, a redistribuição dos espaços carnavalescos foi recondicionada por critérios socioeconômicos, reduzindo a participação das camadas populares. De dentro dos cordões de isolamento humano, transitaram as classes endinheiradas, incluindo a população de classe média. Fora dos artifícios, a “ralé” adquiriu condição de “pipoca”, se apropriando dos desfiles dos trios elétricos, sem pertencer a grupos organizados.
O conjunto destes fatores atraiu turistas de todo o mundo, fazendo da festa, soteropolitana, o maior Carnaval de rua do planeta. Segundo o fenômeno da camarotização, da elite, é uma realidade. Embora tenham alcançado o protagonismo da festa, na face mercantilizada, no plano simbólico, os camarotes continuam subordinados aos trios elétricos e o de rua, menos atraente, que atende os menos favorecidos. Portanto, em altíssimo grau, imensa maioria dos agentes trieletrizados, encontram dificuldades para colocar seus blocos na rua, sinalizando maus resultados na comercialização de abadás. Sabendo que os custos superam as receitas, a adoção de um modelo alternativo é desejada. Neste panorama, uma desconcentração dos recursos (camarotes-blocos-trios) seria uma maneira inteligente de conduzir a sustentabilidade do negócio, garantindo a reprodução dos desfiles de maneira inédita. Por isso, existe por trás da fantasia do Carnaval, uma máscara, o esconderijo do poder.
Acorda, cidade! Não podemos esquecer que, com cordas ou sem cordas, mesmo com as mutações introduzidas no seu formato atual, destinadas a resgatar as expressões antigas, que ainda subsistem e que representam a referência memorial e os fragmentos da identidade de uma festa que nasceu popular, é forçoso entender que, para o Reino Momo sobreviver, em um mundo globalizado, a Bahia e a nossa capital precisam mostrar-se possuidoras de um aparato de segurança, à altura dos desafios de garantir a integridade física e patrimonial dos que visitam Salvador, nos dias em que ela se transforma na “Cidade do Carnaval”.
É diante dessas prerrogativas, econômicas, altamente desiguais, que desenhei o Carnaval da Máscara e da Interrogação.
Por: Jefferson Costa
Especialista em Gestão, Política e Segurança Pública
MJ/SENASP – REDE RENAESP