A graça de um cenário é quando consegue identificar fatos pouco conhecidos, montar ilações pouco percebidas, tirar conclusões inesperadas.
Não é o caso da prisão do ex-deputado Eduardo Cunha, respeitosamente detido pela Polícia Federal, com autorização do juiz Sérgio Moro, e com a recomendação de não fazerem espetáculo.
As conclusões unânimes são as seguintes:
1. Eduardo Cunha era pato manco desde o ano passado. Era um caso de prisão óbvia.
2. Nunca pertenceu ao establishment político e midiático, como Aécio Neves e José Serra. Portanto, seria mínima a linha de resistência à prisão.
3. O grupo da Lava Jato, juiz Sérgio Moro à frente, conta que, com a prisão, se consiga demonstrar um mínimo de imparcialidade, ampliando a força para uma futura prisão de Lula.
Essas são as conclusões óbvias. Os desdobramentos, são mais imprevisíveis.
Ninguém minimamente informado tem a menor dúvida sobre a parcialidade da Lava Jato e sobre as estratégias políticas por trás de cada operação. Nas vésperas das eleições municipais, foram mais três operações com estardalhaço sobre alvos petistas.
Agora, uma operação discreta sobre um não-petista.
Há os objetivos óbvios da Lava Jato e os desdobramentos ainda obscuros.
Dias atrás, a Vox Populi soltou uma pesquisa sobre eleições presidenciais. Em todas elas, dava vitória de Lula no primeiro turno. Nenhum veículo de imprensa repercutiu.
Ontem, foi a vez da CNT-IBOPE divulgar outra pesquisa com resultados semelhantes.
Mais ainda. No segundo turno, o único em condições de enfrentar Lula seria Aécio Neves (devido ao recall das últimas eleições) e mesmo assim haveria empate técnico.
Com todos os demais candidatos, haveria vitória de Lula.
Um dado da pesquisa Vox Populi foi pouco notado. Na relação dos brasileiros mais admirados, o primeiro é Sérgio Moro, com 50%. O segundo, Lula, com 33%. O terceiro, Dilma com 23%. Os demais vêm mais abaixo.
Hipoteticamente, a única pessoa capaz de peitar Lula seria Sérgio Moro. E em seu terreno, o Judiciário e no terreno comum da opinião pública.
Para analisar os desdobramentos da eventual delação de Eduardo Cunha, o primeiro passo é identificar os que NÃO serão atingidos.
Obviamente, serão as lideranças tucanas, devidamente blindadas pela Lava Jato e pela Procuradoria Geral da República (PGR).
Os jornais soltam fogos de artifício para demonstrar isenção. Foi o caso da denúncia de que Aécio Neves viajou para os Estados Unidos com recursos do fundo partidário, um pecadilho.
A dúvida que ninguém respondeu até agora: porque Dimas Toledo, o caixa político de Furnas, jamais foi incomodado pela Lava Jato ou pela Procuradoria Geral da República (PGR)?
Dimas é a chave de todo esquema de corrupção de Furnas.
Há o caso do helicóptero com 500 quilos de cocaína, que jamais mereceu uma iniciativa sequer do Ministério Público Federal.
Em 2013, o MPF aliou-se à Globo para derrubar a PEC 37, que pretendia restringir seu poder de investigação. A alegação é que o MPF não poderia ficar a reboque da Polícia Federal, quando percebesse pouco empenho nas investigações.
A PF abafou o caso do helicóptero. E o MPF esqueceu.
A recente decisão da Justiça, de anular a condenação dos réus do chamado “buraco do Metrô”, escondeu um escândalo ainda maior. Os réus eram funcionários menores das três empreiteiras envolvidas – Odebrecht, Camargo Correia e OAS.
Fontes que acompanharam as investigações, na época, contam que a intenção inicial do Ministério Público Estadual era indiciar os presidentes das companhias. Houve uma árdua negociação política, conduzida por instâncias superiores do Estado, que acabou permitindo que as empreiteiras indicassem funcionários de escalão inferior. O custo da operação teria sido de R$ 15 milhões, divididos irmãmente entre as três empreiteiras.
O governador da época era José Serra.
Na Operação Castelo de Areia (que envolveu a Camargo Correia, e que foi anulada graças a um trabalho político do advogado Márcio Thomas Bastos) havia indícios veementes do pagamento de R$ 5 milhões pela empreiteira. Agora, a delação da Odebrecht menciona quantia similar. Interromperam a delação do presidente da OAS, mas não seria difícil que revelasse os detalhes.
São bolas quicando na área do PSDB e que dificilmente serão aproveitadas pela Lava Jato ou pelo PGR.
Eduardo Cunha é obcecado, mas não rasga dinheiro. Tem noção clara de seus limites. Sabe que uma delação só aliviará suas penas se aceita pela Lava Jato ou pelo PGR.
Como existe o privilégio de foro para políticos com mandato ou cargos, o árbitro para as delações envolvendo o andar de cima é o PGR Rodrigo Janot. O conteúdo das delações dependerá muito mais das intenções de Janot e da Lava Jato do que do próprio Cunha.
Portanto, todos os desdobramentos da prisão de Cunha dependerão nas relações entre PSDB-mídia-Judiciário e a camarilha dos 6 (Temer, Cunha, Jucá, Geddel, Padilha, Moreira Franco) que assumiu o controle do país.
Poderá haver acertos de conta pessoais de Cunha com um Moreira Franco, por exemplo, que poderá ser defenestrado sem danos maiores ao grupo de Temer.
Mas qualquer ofensiva mais drástica sobre o grupo teria que ser amarrada, antes, com a mídia (especialmente Globo), com o PSDB e sentir os ventos do STF (Supremo Tribunal Federal). São esses os parâmetros que condicionam os movimentos da Lava Jato e da PGR.
Temer tem se revelado um presidente abaixo da crítica. Mas ainda é funcional, especialmente se entregar a PEC 241. A cada dia, no entanto, amplia seu nível de desgaste. Em um ponto qualquer do futuro se tornará disfuncional. E aí a arma Eduardo Cunha poderá ser sacada pelo PGR.
A Lava Jato vive seus últimos momentos de glória. Seu reinado termina no exato momento em que pegar Lula. Justamente por isso, é possível que queira tirar alguns fogos de artifício da gaveta para o pós-Lula.
À medida em que se esgote, os tribunais superiores passarão a rever suas ilegalidades, a fim de poupar os políticos até agora não atingidos por ela.
Mas ainda é uma caixa de Pandora.
A prioridade total é a inabilitação e/ou prisão de Lula.
Só depois disso é que haverá o novo realinhamento político, e aí com novo atores.
Do lado do PSDB:
1. Geraldo Alckmin subindo, depois da vitória de João Dória Jr.
2. Aécio em queda, pelos indícios de crime, mesmo não levando a consequências legais.
3. Serra fora do jogo, tentando decorar siglas de organizações multilaterais, sem apoio no PSDB e no DEM.
Do lado das oposições:
1. Já está em formação um núcleo de governadores progressistas, visando costurar estratégias e alianças acima das executivas dos partidos. Anote que daqui para a frente tenderão a ter um protagonismo cada vez maior na cena política, substituindo as estruturas partidárias, imobilizadas em lutas internas.
2. Ciro Gomes é o opositor de maior visibilidade, até agora, mas mantendo o mesmo estilo carbonário da juventude. Suas verrinas contra Temer fazem bem ao fígado, mas preocupam as mentes mais responsáveis.
3. Há uma tendência de crescimento de Fernando Haddad, prefeito derrotado nas últimas eleições. Na expressão do governador baiano Rui Costa, Haddad caiu para cima. Sua avaliação, no MEC e na prefeitura de São Paulo, crescerá com o tempo.