O Supremo Tribunal Federal (STF) deu nesta terça-feira, 4, duas demonstrações concretas na direção de reconciliar o País com a democracia e com o estado de direito.
No centro da questão estão as garantias fundamentais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lhe foram sonegadas pela Suprema Corte desde 5 de abril de 2016, quando o STF negou a Lula o direito à presunção de inocência, abrindo caminho para sua prisão.
Nesta terça, a 2ª Turma do STF autorizou Lula a ter acesso a todos os documentos usados no acordo de leniência fechado pela Odebrecht com o Ministério Público Federal. A medida vale para documentos dos Estados Unidos e da Suíça e permitirá finalmente à defesa do ex-presidente acessar os sistemas de contabilidade Drousys e MyWebDay, utilizados pela Odebrecht e que apenas os procuradores do MPF tinham acesso.
A decisão, confirmada pelos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, com voto contrário de Edson Fachin, corrige uma aberração jurídica. Com base nestes sistemas, a Lava Jato acusou Lula de ter recebido R$ 12 milhões em propina da Odebrecht para um terreno que seria a sede do Instituto Lula.
O ex-presidente, entretanto, não podia acessar os sistemas para se defender. Sua defesa argumentou que os procuradores de Curitiba não usaram os arquivos originais, mas uma cópia cedida pela própria Odebrecht, que pode ter adulterado os dados para sustentar sua acusação (sob medida) contra Lula.
Moro usou delação de Palocci para agir politicamente
Na segunda decisão favorável ao ex-presidente Lula na 2ª Turma, os ministros Gilmar e Lewandowski, com o voto contrário de Fachin, decidiram que a delação do ex-ministro Antonio Palocci não pode ser utilizada nesta ação em que Lula é acusado de supostamente receber R$ 12 milhões da Odebrecht.
É bom lembrar que a delação premiada de Antonio Palocci foi firmada com a Polícia Federal e não com o Ministério Público Federal. Os procuradores da Lava Jato, absolutamente insuspeitos de ligação com o petismo, não encontraram provas das acusações de Palocci, consideradas como um apanhado de denúncias já reveladas e concatenadas num enredo factível.
A manifestação mais contundente do STF até o momento sobre a parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro veio do ministro Ricardo Lewandowski. O magistrado lembrou que a inclusão do depoimento do ex-ministro da Fazenda no processo e a retirada do sigilo dos documentos foram determinadas por Moro seis dias antes do 1º turno das eleições de 2018.
Em seu voto, o ministro Lewandowski fez a pergunta de maneira clara: por que o magistrado determinou, de ofício, a delação de Palocci nos autos da ação penal e o levantamento do sigilo, “precisamente na semana que antecedeu o primeiro turno da disputa eleitoral”? Ora, todos nós sabemos a resposta: para municiar a mídia corporativa de matérias negativas contra o candidato do PT a presidente, Fernando Haddad, favorecendo assim a eleição do candidato de Moro e da Lava Jato: Jair Bolsonaro. Moro usou sua prerrogativa de juiz para beneficiar um candidato que lhe daria um cargo de ministro da Justiça em seguida, um degrau na sua escalada rumo a uma vaga no STF.
Para não restar dúvidas de sua posição acerca do que fez Sérgio Moro com a delação de Palocci, o ministro Lewandowski é preciso: “O referido magistrado – para além de influenciar, de forma direta e relevante, o resultado da disputa eleitoral, conforme asseveram inúmeros analistas políticos, desvelando um comportamento, no mínimo, heterodoxo no julgamento dos processos criminais instaurados contra o ex-Presidente Lula -, violou o sistema acusatório, bem como as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da CF)”. Mais claro, impossível.
Desta forma, por tudo o que já se conhece a partir das revelações da Vaza Jato, da constatação de inúmeros juristas, nacionais e internacionais, não resta dúvidas de que Sérgio Moro agiu não como juiz contra Lula, mas como agente político. Ou, se quisermos recorrer à alcunha dada pelo deputado Glauber Braga, Moro agiu como um juiz ladrão.
Conhecedores profundos do Direito, os ministros do STF também sabiam das ilegalidades de Moro, mas até então uma parte da Corte fechava (e ainda fecha) os olhos para os crimes do ex-todo-poderoso da Lava Jato em nome de um grande acordo nacional.
As duas decisões da 2ª Turma do STF são importantes, mas apenas como preâmbulo daquela que é a mais importante de todas as decisões a ser tomadas pela Suprema Corte: a declaração cabal de parcialidade de Sérgio Moro na sentença que condenou Lula por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá.
A democracia no Brasil depende do restabelecimento da verdade e da inocência do ex-presidente, com a consequente restituição de todos os seus direitos políticos, ainda sequestrados. Somente esta decisão irá reconciliar o Brasil com sua democracia.