A Bahia está dando um importante passo para a qualificação dos atendimentos ao cidadão, vítima de atos que envolvam distinção, exclusão e restrição baseada em raça, cor, etnia, identidade sexual e manifestação religiosa. Sob coordenação da Superintendência de Prevenção à Violência (Sprev) da Secretaria da Segurança Pública, um grupo de trabalho, com representantes das polícias Militar, Civil e Técnica, já se dedica à elaboração de um protocolo com procedimentos a serem adotados em relação ao acolhimento, registro de denúncias, investigação de casos, encaminhamento à rede de proteção e apoio às vítimas de homofobia, racismo e intolerância religiosa.
O objetivo final é criar condições para a instalação do Núcleo de Atendimento Qualificado às Vítimas de Preconceito Racial, Intolerância Religiosa e da População LGBT, que funcionará no âmbito da Polícia Civil, reforçando o suporte desde o primeiro atendimento na delegacia até o acolhimento na rede de apoio constituída por diversos órgãos estaduais.
O grupo de trabalho tem um prazo de 30 dias para avaliar o efetivo policial e o espaço físico compatível para a implantação da unidade, que vai acompanhar as investigações das denúncias caso a caso.
A qualificação do atendimento às vítimas de homofobia, racismo e intolerância religiosa no estado contempla uma demanda da sociedade, expressa em uma série de diálogos entre a administração pública estadual e integrantes de movimentos sociais. Servidores de secretarias de Estado e especialistas nas temáticas também serão convidados pelo GT para colaborar na elaboração do protocolo.
“Estamos criando o protocolo para qualificar o atendimento a essas minorias na perspectiva da cidadania e da dignidade humana, juntamente com os princípios da administração pública da impessoalidade e da moralidade”, explicou o coordenador do grupo de trabalho, o tenente-coronel Jaime Ramalho Neto, antropólogo e mestre em estudos étnicos africanos.
Ressaltando já ter um acúmulo de trabalho, que servirá de base para a elaboração das estratégias, afirmou saber da necessidade de garantir o suporte às vítimas de racismo, intolerância religiosa e homofobia “para que esse contexto de violência mude”.
Perfis das vítimas
A aproximação da polícia com as vítimas, segundo Ramalho Neto,possibilitará a identificação do perfil delas para a construção de políticas públicas que sejam mais efetivas na prevenção da violência. “Já dispomos de muitas informações sobre casos de violências, muitas delas passadas durante reuniões com movimentos sociais. Mesmo assim, o contato vai nos permitir estudos mais aprofundados para traçar estratégias de redução dos indicadores. Para isso, mais do que os dados quantitativos, são importantes os qualitativos”, acrescentou.
Para quem levanta a bandeira da resistência, como a transexual Keyla Simpson, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais, a qualificação dos atendimentos deve garantir um número real de registro de denúncias, ensejando um direcionamento na construção de políticas públicas mais adequadas.
“A gente está no caminho. Precisamos que estejam inseridos nos boletins de ocorrência a motivação do crime, a orientação sexual da vítima e da pessoa que cometeu o delito. Isso vai nos dar possibilidades de termos números exatos de violência praticada por essa população e contra essa população, seja em termos de injúria, discriminação ou violência verbal. Ter volume de denúncias é importante para desenhar melhor as políticas públicas que necessitamos para coibir essas ações”, destacou.
Violência contra LGBTs
De acordo com a vice-presidente do Conselho Estadual de Defesa e Promoção dos Direitos da População LGBT, Amélia Maraux, de janeiro a junho deste ano, mais de 20 LGBTs foram assassinados na Bahia. No mesmo período, o Disque Direitos Humanos, gerido pelo governo federal, registrou 48 casos contendo inúmeras violações dos direitos humanos das pessoas LGBTs no estado.
“Lutamos pela criminalização da homofobia, mas para isso é preciso que as denúncias sejam registradas e encaminhadas junto ao Ministério Público para a investigação e a punição do agressores”, ressaltou Amélia, também coordenadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Sexualidade da Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
Segundo o coordenador LGBT do Coletivo de Entidades Negras (CEN), Gabriel Teixeira, a elaboração do protocolo é um primeiro passo para o fortalecimento da estrutura estatal que garantirá o respeito e a dignidade do público gay. “Só quem é homossexual tem dimensão do preconceito que ainda existe. Tem gente que se sente no direito de agredir só de saber que o outro é gay. Isso é um absurdo e tem de acabar. Nós estamos começando a caminhar juntos para sermos respeitados”, afirmou Teixeira.
Racismo e intolerância
Em número de casos registrados, o racismo e a intolerância religiosa não ficam atrás da homofobia. Conformedados do Centro de Referência Nelson Mandela, desde dezembro de 2013, quando da criação da unidade, 74 casos de intolerância religiosa e 177 de racismo foram denunciados.
“É um absurdo conceber racismo num estado de 15 milhões de habitantes e que com 75% de pessoas negras. Isso precisa ser combatido cada vez mais. Vejo a construção do protocolo e a instalação do núcleo como passos importantes para futuramente termos uma delegacia especializada, que é demanda da população”, enfatizou o coordenador executivo da Secretaria Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), Antônio Cosme Lima.
Fonte: Secom/BA