O adjetivo que acompanha qualquer frase com “futuro” em meio à pandemia do novo coronavírus é “incerto”. Não só no que diz respeito à saúde pública ou à economia, mas, principalmente em 2020, no que trata de política. Candidatos às prefeituras e Câmaras Municipais de todo o país precisaram deixar em stand-by a corrida eleitoral devido à propagação do novo vírus, que ninguém sabe ao certo quando vai passar.
Tanto que isso tem gerado discussão sobre a manutenção do calendário eleitoral, com o primeiro turno do pleito no dia 4 de outubro. Líderes do PT e do DEM na Bahia, por exemplo, já avaliaram que é cedo para determinar qualquer coisa. O presidente eleito do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, também deixou em aberto sua avaliação sobre uma data. Independentemente de quando, Barroso defende que as eleições aconteçam quando houver segurança.
A situação é inédita no Brasil. De acordo com Jaime Barreiros Neto, professor de Direito Eleitoral da Universidade Federal da Bahia, nem mesmo regimes autoritários causaram tanta incerteza. Talvez essa seja mais uma similaridade com o período de Gripe Espanhola, em 1918, que também deixou algumas interrogações quanto ao andamento da rotina do país. Mas, Barreiros Neto chama a atenção, o sistema eleitoral naquele período nem se compara com o de hoje.
“As eleições eram restritas, poucas pessoas participavam, então, em termos de questão eleitoral, sem dúvidas essa é a maior crise que nós passamos, o maior momento de incerteza que nós passamos, muito mais até do que nos períodos autoritários. Por exemplo, em 1981 nós tivemos um adiamento das eleições municipais, mas era uma questão política, vinculada ao regime militar. Agora, não”, observa o professor.
Naquela época, o Congresso resolveu adiar as eleições semanas antes da data marcada, sob alegação de que os candidatos não teriam muito tempo para se organizar. Os mandatos de prefeitos e vereadores foram prorrogados até 1982.
Desta vez, Barreiros Neto avalia que prorrogar mandatos está fora de cogitação. Adiar eleições, sim. Manter gestores e parlamentares por mais dois anos no poder, por outro lado, seria inconstitucional. A proposta tem sido defendida por algumas correntes de pensamento, devido à possibilidade de eleições gerais – proposta antiga que já entra e sai da agenda pública de debates.
“A ideia de unificação é uma ideia que não cabe no debate eleitoral agora. Eventual modificação com aumento do prazo do mandato dos atuais prefeitos e vereadores tem que se dar, se for necessário, apenas pelo tempo suficiente para realizar a eleição. Ou seja, a eleição não pode ficar pra 2022. Ela teria que ser realizada o mais breve possível”, explica.
Assunto que vai cair na ‘prova’
Se o pleito será realizado ainda em 2020 ou se ficará para 2021, só teremos alguma noção a partir de junho, que é quando, segundo projeções, já teremos atingido o pico da pandemia do novo coronavírus e teremos algumas respostas sobre a doença. Independentemente do ano, uma coisa é certa: saúde será o tema da vez nas eleições.
De acordo com o professor Jaime Barreiros Neto, não é comum que pautas nacionais influenciem as campanhas locais, como para prefeitos e vereadores. Mas, neste caso específico da Covid-19, o eleitor pode enfrentar dificuldades de acesso ao serviço público de saúde e isso lhe despertar a consciência para a importância desse serviço.
“Por esse ser o momento em que o mundo inteiro está discutindo a necessidade do Estado, a necessidade da saúde, acho que será uma pauta importante nas próximas eleições. Não só a saúde, mas a própria necessidade de valorização do serviço público”, destaca.
Esse, inclusive, será o legado da pandemia, de acordo com Barreiros Neto: mostrar a importância do Estado, da saúde pública e do serviço público como um todo.
“Sem dúvida que esse debate vai pautar as próximas eleições”, reforça.