Não nos iludamos. O que está em curso no TSE, na ação que pede a cassação da chapa Dilma-Temer, é um espetáculo farsesco destinado a manter Temer no governo, seja pela absolvição, seja pelo decurso de prazo para as providências de sua substituição. O país continuará sendo sangrado pela instabilidade e a incerteza mas, como no golpe, dane-se o país. A ação da Polícia Federal nas gráficas que trabalharam para a campanha Dilma-Temer não é indicativa de que o TSE pretenda ir fundo nas investigações e endurecer no julgamento, condenando Dilma, já deposta, e cassando Temer, o que levaria à sua substituição por um presidente biônico, eleito pelo Congresso. Ou, na melhor hipótese, à realização de eleições diretas, se a pressão popular compelir o Congresso a aprovar uma das emendas constitucionais que preveem diretas mesmo faltando menos de dois anos para o fim do mandato. Muito pelo contrário, a diligência nas gráficas vem ao encontro do plano B de Michel Temer.
Seu plano A, deflagrado ainda antes do golpe, foi pedir a separação das contas de campanha, dizendo que ele e Dilma tiveram finanças não comunicantes. A tese esbarrou na jurisprudência já firmada pela cassação de governadores e vices em processos semelhantes. Com presidente e vice, esta é uma ação inaugural no TSE. Depois, surgiram provas de que despesas de Temer e sua equipe foram pagar pelo comitê financeiro da campanha. Vice pode até montar esquema de arrecadação à parte mas o que se gasta é para a eleição da chapa. Vice não faz campanha sozinho. Isso acontecia no passado, com regra que permitiu, por exemplo, a eleição de Jânio em 1961, e a do vice João Goulart, da chapa oposta.
Veio então o plano B, que está em curso. Ele se baseia na procrastinação do julgamento até pelo menos o segundo semestre de 2017. E aí o TSE, tal como o STF já fez no caso Renan, pode absolver a chapa, mesmo havendo provas de ilícitos, invocando a governabilidade, a estabilidade político/econômica do país e o diabo a quatro. A diligência nas gráficas serve como luva ao plano B de Temer. Ainda que as gráficas tenham se livrado de provas, os documentos apreendidos terão que ser analisados. A defesa terá que se pronunciar. Haverá pedido de vistas e recursos. O próprio Temer já disse que, em caso de condenação recorrerá ao STF. Então, a novela vai longe.
Passemos à encenação. O ministro relator, Herman Benjamin, por suas entrevistas, parece sinceramente determinado a aprofundar as investigações e a emitir um parecer consistente, pedindo a condenação da chapa. Pelo que já foi divulgado, de tudo o que ele ouviu de delatores, de tudo que examinou nos autos, certamente já tem indícios e provas suficientes para pedir a cassação. Mas Benjamin, que é ministro do STJ e caminha para a aposentadoria, já externou seu desejo de produzir uma peça “histórica”, irrefutável e exemplar. Ele terá o voto de alguns de seus pares mas dificilmente os de Luiz Fux e Gilmar Mendes, presidente do tribunal, claramente alinhados com o atual governo. Ótimo para a biografia de Benjamin. Otimo também para Temer.
Ainda no primeiro semestre de 2017 ele apresentará o parecer e aí teremos o segundo pulo do gato. Entre abril e maio, Temer vai indicar dois novos ministros para o tribunal, que substituirão Luciana Lóssio e Henrique Neves. Os nomes já começam a ser avaliados. Diferentemente de Lula e Dilma, que indicaram ministros de tribunais superiores garantindo-lhes ”independênica republicana” (colhendo depois votos severos contra petistas na ação penal 470 e a omissão diante do golpe contra Dilma), Temer não dará ponto sem nó. Quem indicar, votará a seu favor. Estes dois votos, mais os de Fux e Gilma, garantirão a maioria, num tribunal de sete votos, para absolver a chapa. Ou para absolver apenas Temer, aceitando a tese da separação de contas, se tiverem coragem para tanto.
Não nos iludamos, portanto. O “pacto pelo alto” que poderia vir através da ação no TSE, com a pré-escolha pactuada de um presidente biônico conciliador, tipo Nelson Jobim, não deve prosperar. A menos que Temer e seu governo consigam levar o país a um patamar de crise e degradação econômica ainda mais agudas, levando as elites econômicas a exigirem da elite política uma saída.
Por isso a palavra de ordem das oposições, para 2017, tem que continuar sendo “diretas já”. Uma estratégia que também só dará certo se forem capazes de despertar a sociedade de sua letárgica desilusão, produzindo um grande movimento de massas. Neste exato momento, não há sinal disso nas ruas. Vide o fraco panelaço durante o pronunciamento de final de ano de Temer, apesar de sua popularidade de um dígito.
Estamos porém, no meio de um rito de passagem, em que os ruídos políticos cessam para dar lugar a sinos e fogos. Virado o ano, e mantido o atual estado de devastação das vidas das pessoas pelo desemprego, a queda na renda e a degradação dos serviços públicos, tudo pode acontecer. A palavra de ordem é esperança.