Por Mauro Santayana, em seu blog:
Nos últimos meses, o governo brasileiro não apenas está tomando medidas temerárias do ponto de vista estratégico como também o está fazendo na contramão do mundo, em um momento em que o nacionalismo e o Estado se fortalecem, como reação à globalização, até mesmo pelas mãos da extrema direita, nos países mais desenvolvidos.
O que vem sendo apresentado, com a cumplicidade de uma mídia imediatista, irresponsável e descomprometida com os objetivos nacionais, não passa de uma sucessão de “negócios” apressados e empíricos que têm como único norte o acelerado desmonte, esquartejamento e inviabilização em poucos anos, do Estado, com deletérias, estratégicas, e talvez irreversíveis consequências para o futuro.
Estamos entregando o país aos negócios privados, principalmente estrangeiros, em transações gigantescas, feitas a toque de caixa, que envolvem bilhões de dólares. Na maioria das vezes, à revelia da sociedade brasileira, a ponto de muitas estarem sendo realizadas até mesmo sem licitação, como está ocorrendo com a “venda” e desnacionalização de poços do pré-sal e de outros ativos.
Tudo isso com uma fúria privatista que só encontra paralelo nos nefastos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que tiveram como principais consequências econômicas a duplicação da dívida líquida pública e a queda do crédito, do PIB, da renda assalariada e do trabalho formal ao fim de seus oito anos de governo.
Se o recuo estratégico é grave em setores primordiais, como energia, infraestrutura e defesa, ele atinge também, drasticamente, os bancos públicos.
Assim como não existem grandes países sem grandes empresas nacionais, também não existem grandes nações que possam prescindir de um forte sistema financeiro público para que se desenvolvam estratégica e soberanamente.
Não se trata apenas, como ocorria no passado, do direito de cunhar moeda, mas de ter instrumentos que possam garantir que a roda da economia continue girando.
Nos últimos anos, o BNDES, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil foram cruciais para manter o país crescendo, investindo na “bancarização” da população e na expansão do crédito.
O volume de crédito em circulação, que caiu de 36% para 23,8% do PIB nos governos de FHC, mais do que duplicou nos governos do PT, até atingir 54,2% em dezembro de 2015.
Sem o financiamento à indústria e à agricultura teria sido impossível, para o país, enfrentar a longa sucessão de graves crises que vêm atingindo o mundo ocidental e o capitalismo desde 2008, quando a banca privada se retraiu, deixando de emprestar dinheiro e passou a investir, como sempre fez historicamente, basicamente em títulos do governo.
Com isso, embora o lucro dos bancos tenha aumentado mais de 400% na era Lula com relação ao governo anterior, as instituições públicas se expandiram mais do que as particulares, aumentando a variedade e quantidade dos serviços prestados a seus clientes, sua oferta de crédito, seus lucros e sua presença na economia nacional.
E como o atual governo responde a esse imprescindível papel estratégico?
Pega carona e incentiva a campanha, com forte componente ideológico, que se está desenvolvendo na mídia e nas redes sociais, contra o BNDES.
Promove a estúpida, suicida e inexplicável eliminação de R$ 100 bilhões dos ativos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, que estão sendo repassados ao Tesouro, para suposto “abatimento” cosmético e irrelevante da dívida pública, em um momento em que o país é apenas a 40ª nação do mundo em endividamento, e se encontra mergulhado em grave recessão.
Reforça essa política de terra arrasada com a interrupção e eliminação, pela atual diretoria do BNDES, de projetos de exportação de serviços de engenharia de empresas já atingidas em bilhões de dólares, pelo tsunami punitivo da Operação Lava Jato.
Com isso, morrem no nascedouro milhares de empregos que poderiam surgir por meio de alguns dos maiores expoentes da engenharia nacional e de centenas de médias e pequenas empresas de sua cadeia de fornecedores.
O governo estende os nefastos efeitos dessa abordagem destrutiva do Banco do Brasil e da Caixa – apelando para a velha desculpa da busca de “eficiência” – promovendo seu desmanche e “enxugamento”, com o já anunciado fechamento de centenas de agências e a demissão “incentivada” de milhares de funcionários, em um momento em que dezenas de municípios, para o enfrentamento da crise, não poderiam prescindir da presença e do apoio dessas instituições.
Quais são as razões que se escondem por trás disso? Por que e para que torcer o pescoço das galinhas dos ovos de ouro da economia nacional que, além de manter o país funcionando, deram altíssimos retornos para seus acionistas e para a União e estão ligadas a conquistas de enorme importância social, como a construção de 3,5 milhões de casas populares nos últimos anos?
De 2010, para cá, o BNDES, além de emprestar centenas de bilhões de reais para grandes, médias e pequenas empresas, teve mais de R$ 40 bilhões de lucro. O Banco do Brasil alcançou, em 2011, um lucro líquido de mais de R$ 12 bilhões e chegou a mais de R$ 14 bilhões em 2015. Os seus ativos, que eram de quase R$ 1 trilhão em 2011, chegam a quase R$ 1,5 trilhão este ano. A Caixa Econômica Federal lucrou quase R$ 4 bilhões em 2011 e expandiu seus resultados para 7,2 bilhões em 2015.
De que tipo de “reestruturação” esses bancos precisam? De mandar gente embora para fazer com que os que vão ficar trabalhem o triplo – cada funcionário de agência do Banco do Brasil já é responsável, em média, pelo atendimento a quase 450 contas da instituição – e comecem a cometer falhas, e fazer os clientes pensarem em migrar para os bancos privados?
Não se pode compreender esse cerco à banca pública a não ser como um desejo subjacente de abrir mercado para a banca privada, embora esta não tenha deixado de multiplicar também seus ganhos.
Deve assustar, sobretudo, a possibilidade que os bancos públicos têm, a qualquer momento, de regular indiretamente o mercado, sempre que necessário, baixando as suas taxas de juros e as tarifas que cobram da população.
Mas essa deliberada e injustificável estratégia de sabotagem e sufocamento dos bancos públicos pode ter, também, outras intenções.
Como sempre ocorre, ela abre caminho para que se possa dizer que eles estão operando mal ou perdendo dinheiro, e que devem ser privatizados a médio prazo, eliminando-os totalmente, da economia nacional.
Assim como ocorre no caso da Petrobras, a sociedade brasileira precisa responder ao desmanche e à campanha contra a banca pública decisivamente.
Os bancários e os municípios prejudicados devem entrar na Justiça contra o fechamento de agências, levando ao Judiciário e ao Ministério Público informações relativas à verdadeira situação financeira dos bancos estatais e sua importância econômica e social no contexto do processo de desenvolvimento brasileiro.
É preciso que aqueles que dizem que é necessário aumentar a “eficiência”, expliquem onde está a ineficiência de instituições que praticamente salvaram o país durante a crise de 2008, que contribuíram para a expansão do crédito, da produção e da infraestrutura e que, na última década, deram dezenas de bilhões de reais em lucro.
Enquanto o sistema financeiro privado internacional, por ineficiência, desonestidade e fiscalização, levava a economia global ao colapso.