Em alusão ao 15 de maio, dia dos(as) Assistentes Sociais, inclusive é histórico se realizar eventos, atividades de vários tipos no intuito de homenagear, comemorar e sim manifestar de forma critica os desafios cotidianos que estes profissionais enfrentam no campo de atuação, porque somos classe trabalhadora em um país que atualmente vem acirrando ainda mais a luta de classe. Porém, este ano, nós as(os) Assistentes sociais em função da realidade estabelecemos que não há motivo para homenagem, não há espaço para comemorações. Entendemos que o momento é de luta, é momento de falar, é momento de reflexões coletivas, de levantar as nossas bandeiras de lutas, da categoria e da classe trabalhadora em geral. Neste sentido o GESS conversou com 03 colegas sobre conjuntura brasileira na relação das politicas públicas em destaques neste momento de pandemia e o posicionamento do Serviço Social inserido neste contexto. Leiam na integra as contribuições das colegas que atuam nas Politicas Públicas de Educação, Assistência Social e Saúde respectivamente.
GESS: A temática Central de 2020 do Conjunto CFESS/CRESS evidenciam duas questões principais: diversidade de espaços socio ocupacionais que a categoria ocupa e o trabalho com a população. Como você percebe as possibilidades de empoderamento da população usuária e o protagonismo da categoria?
Sempre acreditei no serviço social comprometido com direitos e com as lutas sociais. Minha trajetória como assistente social iniciou em 1978. Final da ditadura. Vivi a transição democrática. Fui do INAMPS que se transformou no Ministério da Saúde. Fiz estágio na LBA, que depois se transforma e se extingue. Vi o Estado brasileiro se transformar no comando do neoliberalismo. Por isso não acredito em sociedade imóvel. Acredito na força das trabalhadoras e hoje da população negra através de suas entidades representativas. Não há luta no Brasil que possa sucumbir a raça e ao racismo. Hoje o bolsonarismo governa. Não para sempre.
Nossa profissão tem um Código de Ética que defende a liberdade, não ao arbítrio, contra todas as formas de discriminação e a defesa da classe trabalhadora. Nesse sentido, precisamos analisar a realidade criticamente e propor iniciativas, ações que fortaleçam ações coletivas, cidadãs. Vamos à luta.
GESS: Qual sua percepção sobre a inserção do Serviço Social nas políticas públicas de Educação? Como se dá o fazer profissional?
Falo do lugar de docente do ensino superior desde 1979. Portanto, situada numa experiência de mais da metade de meu tempo de vida. Embora o campo da educação não seja novo, enquanto espaço socioeducacional do assistente social, o lugar ocupado em defesa dos direitos é recente. A ocupação das escolas da educação básica, do ensino médio e no Ensino superior, acompanha a democratização política e a aprovação da Constituição Cidadã.
Mas gostaria de destacar a importância do trabalho do assistente social considerando as demandas da Lei 10.639/2003 e da 11.645/2008. Ambas alteram a LDB e incluem como obrigatórios conteúdos sobre a cultura africana e afro-brasileira e indígena no currículo escolar.
Nosso trabalho é fundamental para descolonizar o pensamento dos gestores e dos trabalhadores da educação que ainda, por desconhecimento, mantem as bases curriculares com conteúdos exclusivamente eurocêntricos. A prática de uma pedagogia para a educação das relações raciais, reconhecendo a experiência de vida de nossas/os alunas/os e seus familiares é fundamental. a noção de diversidade cultural deve ser prioridade na formação.
Outra dimensão educativa do trabalho profissional importante é o combate ao preconceito e discriminação racial e de gênero. Além disso a luta contra a discriminação contra a população LGBTQI+ é fundamental.
GESS: Na perspectiva da garantia de direitos da população usuária da política de educação, considerando o contexto atual de pandemia em função do Covid 19, como se encontra o acesso a referida política?
O acesso é diferenciado e desigual e repercutirá negativamente para as população negra, pobre e periférica. Grande parte do setor privado de educação manteve o calendário. As creches públicas e demais níveis de educação públicas interromperam suas atividades. Quando mantidas, foram programadas de forma a repassar o conteúdo sem nenhuma sistemática pedagógica de encaminhamento destes, desconsiderando as condições de vida e moradia das crianças e jovens pobres. Não se considerou a falta de acesso à internet. Na maioria dos casos o conteúdo é acompanhado através de celular e muitas vezes o ambiente de casa é desfavorável para que o/a estudante obtenha um bom rendimento. Em casa sem água potável, condições sanitárias precárias, sem comida adequada e em quantidade suficiente para a família. Com destaque para a chefia feminina destas famílias. Precisamos olhar para essas mulheres. 50% das chefias familiares são de mulheres negras. Nos que trabalhamos nas políticas públicas, independente da política precisamos olhar apara essas mulheres, em sua grande maioria negras. O que sabemos sobre elas? Onde moram? Como moram? Quais são as suas necessidades?
GESS: Em tempos de isolamento social percebe se o aumento dos casos de violência doméstica, demanda esta que o Serviço Social enfrenta nos diversos espaços sócio ocupacionais. Quais as possibilidades de intervenção profissional neste contexto? Como você vê a oferta de planejamentos, recursos e execução para o enfrentamento a violência contra as mulheres?
Acho que as nossas possibilidades são bastante reduzidas por que as políticas para mulheres sofreram um retrocesso enorme. Acredito que a pandemia pôs à público o fracasso da política de atenção à mulher vítima de violência que sofre maiores ataques com o atual governo. O machismo recrudesce na estrutura da sociedade e nas instituições. Percebe-se que o atual governo vê como ideologia de gênero as formulações feministas sobre a violência contra a mulher, sobretudo as políticas públicas como o Aborto Legal ou mesmo a pílula do dia seguinte, dentre outras. Mas não só isso. As políticas relativa aos direitos reprodutivos foram para o ralo. É preciso denunciar o movimento ultraconservador em curso, defendido pela bancada fundamentalista evangélica que hoje toma conta do Estado e do legislativo. E até o executivo. Esse pensamento está muito forte na socialização das mulheres. O Estado é laico e as mulheres têm o direito de definir suas vidas e o que querem fazer do seu corpo.
No que diz respeito ao aumento da violência contra a mulher e familiar, alguns estados estão propondo legislações específicas neste caso. Minas Gerais sancionou, aos 17 de abril de 2020, a Lei nº 23.634, determinando a atuação de Equipes de Saúde da Família, compostas por agentes comunitários de saúde, qualificados, que através das visitas domiciliares periódicas irão identificar e notificar eventuais casos de agressões, e, ainda, acolher e orientar de modo humanizado as vítimas. A ação proposta na Lei nº 23.634, de 2020, é claramente uma política pública necessária e eficaz no atual momento de quarentena de isolamento social, pois ela traduz em uma maneira eficaz de coibir violência contra a mulher, em total obediência aos termos do parágrafo oitavo do artigo 226 da Constituição Federal, e, como tal, deveria ser aplicado por todo Estado brasileiro(Diário do Comércio, 8/5/2020). Outra iniciativa ocorreu no DF que sancionou a Lei nº 6.539, de 13 de abril de 2020, que dispõe sobre a comunicação dos condomínios residenciais aos órgãos de segurança pública sobre a ocorrência ou indício de violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente ou idoso em seu interior. No meu ponto de vista nós, assistentes sociais devemos acompanhar essas regulamentações, estar efetivamente em diálogo com o movimento de Mulheres para busca de saídas construídas em conjunto.
GESS: Como você tem percebido a mobilização da categoria em função do contexto atual? Considere os aspectos políticos e de saúde.
O Conselho Federal de Serviço Social e os CRESS estão desenvolvendo um excelente trabalho em defesa dos direitos da classe trabalhadora, e dos assistentes socias em particular no contexto de pandemia. Tem um posicionamento firme contra o atual governo, sobretudo sobre a ausência de uma política de saúde de acordo com as orientações da Organização mundial da Saúde e seu desmando em relação ao financiamento da saúde para garantia de recursos para o enfrentamento da pandemia. Tenho acompanhado relatos muito importantes de trabalhos dos assistentes sociais que estão colaborando com as gestões das unidades onde trabalham no planejamento, execução de ações para a tender as especificidades de seu campo de atuação, assim como das pessoas acometidas do COVID-19
Acredito nas assistentes sociais e me orgulho de fazer parte destas fileiras.
GESS: Em relação ao momento que estamos vivenciando como fica o cenário para a população negra que são é a maioria dos nossos assistidos nas políticas públicas?
A pandemia da COVID-19 afeta a produção e reprodução humana e potencializa as condições de morbimortalidade já existentes. Desestabiliza o físico e o emocional traz a reboque uma série de situações inusitadas, principalmente para as mulheres negras e pobres afetadas de forma desigual na divisão sexual e racial do trabalho. A pandemia avança junto às populações mais vulneráveis e a crise econômica devasta milhões de trabalhadoras e trabalhadores e suas famílias. Que mulheres são mais afetadas pelos efeitos da COVID19? As mulheres negras são as mais atingidas porque respondem por 50% da chefia familiar no Brasil e muitas trabalham na informalidade como diaristas, manicures, camelôs e são responsáveis pelo cuidado das crianças e idosos mesmo recebendo os piores salários. Moram em condições impróprias e degradadas. A saúde mental atingida pelo stress do dia-a dia e pela violência doméstica são implacáveis na sua experiência vital. As mulheres negras são as mais vulneráveis nesta pandemia.
Além disso, sofrem com as medidas burocráticas para o acesso adequado ao auxílio e emergencial ((Lei nº 13.982/2020) que deveria ser simplificado evitando que fiquem expostas ao contágio nas infinitas filas das agências bancárias. Segundo a ONG CRIOLA:
“é emergente que esse benefício chegue às catadoras de lixo e cooperativas de reciclagem, trabalhadoras do sexo/prostitutas, mulheres trans, mulheres que vivenciaram o cárcere e seus familiares, mulheres cumprindo prisão domiciliar, produtoras rurais, quilombolas, ribeirinhas, pescadoras, marisqueiras, yalorixás, diaristas, cuidadoras, entregadoras, ambulantes, mulheres em situação de rua, migrantes, pessoas descapacitadas por estado de saúde, empregadas domésticas, domésticas sem remuneração, artesãs junto com todos os outros grupos que serão beneficiados agora. E entre essas pessoas estão as mais pobres e não por acaso as pessoas negras”.
Além desse grupo, as mulheres negras idosas asiladas ou que residem com suas famílias, as mulheres que moram na rua precisam ser contempladas.
A campanha Assistentes Sociais no Combate ao Racismo aprovada coletivamente no 46º Encontro Nacional CFESS-CRESS, em 2017, em Brasília (DF) deixou um legado importante para a memória nacional quando traz a público fatos históricos, sociais e políticos silenciados e ocultados pela “fantasia” colonial que alicerça as relações sociais contemporâneas, as naturaliza e que reproduz, hegemonicamente, o padrão civilizatório que tem na branquitude a referência normativa e valor positivo de humanidade.
A contribuição dos estudos das relações étnico-raciais no serviço social fecundou o debate sobre as particularidades do capitalismo no Brasil, a emergência da questão social e suas expressões no modo de viver da classe trabalhadora, particularmente a população negra e indígena. Novas dimensões da realidade social foram desveladas na denúncia da democracia racial como mito e o pressuposto ético-político de luta contra todas as formas de preconceito e discriminação e a luta pela liberdade foram incorporados como princípios fundamentais do Código de ética das/os assistentes sociais em 1993.
Fatores de risco como alimentação inadequada, tabagismo, inatividade física, consumo nocivo de álcool, hipertensão arterial e diabetes associados às condições de trabalho e moradia precárias, são fatores atores de risco que as mulheres negras estão muito mais expostas. Podemos concluir que as mulheres negras são as mais vulneráveis nesse cenário de pandemia, que amplifica a precariedade das condições de saúde e de vida da população negra.
GESS: O Serviço Social precisa a todo momento estar se reinventando. Para dar conta das demandas do mundo moderno de que maneira os efeitos do Covid 19 pode impactar nas ações do Serviço Social frente as politicas públicas?
Não defino como reinvenção e sim requisições. A profissão responde às demandas colocadas pelo Estado para atender as necessidades entre os trabalhadores (mas não todos/as) dentro do que o mercado e as classes dominantes permitem em cada tempo histórico. A pandemia de COVID-19 coloca para o mundo a necessidade de repensar o modelo assistencial, a organização dos serviços e os investimentos na saúde. Qualquer um hoje, seja rico ou pobre reconhece a saúde como um bem e um direito. Exceto os fundamentalistas. A população pobre recorre ao SUS e os que optam pelo planos de saúde não estão tendo cobertura de forma universal. É o SUS que tem atendido todo mundo. Os serviços caros, de atenção às doenças crônicas, os grandes traumas, queimados vão para o SUS. Vejam, eu mesma precisei fazer sorologia para Zika e meu plano de saúde não cobriu. O exame era caro.
A profissão já vem denunciando o desmonte da Saúde. Hoje na crise do sistema por conta da pandemia do COVID 19 estamos no mesmo barco com outros profissionais de saúde. Colapso na rede, falta de equipamentos de EPI, muito sofrimento e vivendo a realidade de morte da maioria da população. A saída é coletiva e não de uma única profissão.
GESS: O assédio moral é realidade no Serviço Social em suas várias áreas de atuação. Em tempos de pandemia e distanciamento social eleva o risco desta situação? Como você percebe esta questão?
Antes devemos caracterizar o que vem a ser assédio moral: “é a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e sem simetrias, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e sem éticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego”.(SINDUR. http://www.sindur.org.br/assedio-moral-e-crime/)
Hoje, é crime previsto em lei e pena aplicada vai de 2 a 14 anos podendo ser gerada uma multa contra o empregador, dependendo da gravidade do crime.
Acredito que em razão das profundas mudanças no mundo do trabalho imposto pela reestruturação produtiva, a flexibilidade dos contratos de trabalho, o nosso trabalho está mais desprotegido, somada a reforma trabalhista e da providência que restringiu sobremaneira nossos direitos.
Por falta de conhecimento ou medo de perder seu emprego, a/o trabalhadora/o muitas vezes sofre calado com assédio moral que pode estar associado à discriminações ligadas ao racismo, ao sexismo e a LGBTQIA+. A violência a que está submetida/o a trabalhadora/o pode provocar alterações em seu comportamento como: reclusão, perda de interesse na atividade, agressividade com familiares ou amigos, entre outros. Além de prejuízo a sua saúde física e psicológica. O que precisamos fazer: procurar nossos sindicatos, advogados, coletivos negros e LGBTQIA+. No exercício da profissão ter escuta qualificada para que as/os trabalhadores possam e contar a humilhação sofrida e encaminhar para o médico ou psicólogo.
Na pandemia as relações de trabalho, certamente, sofrerão o impacto que pode ser materializado em relações de violência. Mas o fundamental é buscar ajuda, compartilhar a situação com familiares, amigos, associações dos trabalhadores para fortalecer a autoestima e garantir que seus direitos sejam preservados.
GESS: A temática Central de 2020 do Conjunto CFESS/CRESS evidenciam duas questões principais: diversidade de espaços socioocupacionais que a categoria ocupa e o trabalho com a população. Como você percebe as possibilidade de empoderamento da população usuária e o protagonismo da categoria?
Em tempos de redução de direitos, especialmente a partir da reformas efetivadas no Brasil e do congelamento de gastos públicos na área social, eu diria que se acirrou a disputa entre a classe trabalhador e a elite, e consequentemente a disputa entre dois projetos de sociedade antagônicos(projeto de uma sociedade inclusiva com foco na reparação e enfrentamento das desigualdades X projeto de concentração de riqueza e manutenção de privilégios para um pequeno grupo). E os Assistentes Sociais, estão sendo desafiados quanto à manutenção da sua resistência na defesa de um projeto ético-político referenciado num modelo de sociedade inclusiva.
Se trata de uma realidade de exige maior capacidade crítica na análise de conjuntura diante da tendência da meritocracia e naturalização ou banalização das desigualdades (como já dizia Gramsci, “aprofundar o conhecimento sobre a realidade é condição essencial para a luta pela sua transformação”), maior criatividade nas definições de formas de enfrentamento e de alianças estratégicas. E neste sentido, penso que tanto cabe estreitar a relação da categoria com movimentos sociais e populares que representam os usuários das Políticas que atuamos, como também cabe estabelecer linhas e ação e intervenções que possibilitem incidência dos pleitos e necessidades destes grupos no planejamento e oferta dos serviços que prestamos. Nosso papel, ao meu ver, é politizar e evidenciar os interesses dos usuários, da população mais vulnerável socialmente.
Do ponto de vista prático, acredito que vale a pena listar algumas perguntas simples que nos ajudam a refletir sobre a quem servimos no desenvolvimento do nosso trabalho: conhecemos o perfil e a realidade dos usuários que atendemos? as regras institucionais estabelecidas para a oferta do atendimento e acompanhamento a estes usuários é compatível com a realidade e necessidade destes? ao planejar qualquer ação institucional, consultamos os usuários? nós somos profissionais que reforçamos regras excludentes ou contribuímos para tornar as ofertas mais universais? O usuário avalia a oferta prestada por nós? na instituição, somos interlocutores das demandas institucionais que representam os grupos dominantes ou das demandas da população usuária? reforçamos a lógica de subalternidade(ausência do poder de mando, de decisão) imposta à população vulnerável ou atuamos na perspectiva contrária? Identificamos, reconhecemos e estimulamos as formas de resistência das populações que atendemos, ou reproduzimos referências morais e preconceituosas que invisibilizam tal resistência? como negociamos interesses e direitos dos usuários? atuamos para a conciliação de interesses inconciliáveis(interesse dos usuários e interesses da instituição/grupo dominante)?
A nossa atuação profissional é desenhada a partir de dimensões, dentre as quais estão a dimensão pedagógico-interpretativa e socializadora de informações e saberes no campo dos direitos, da legislação social e das políticas públicas, e a dimensão de intervenção coletiva junto a movimentos sociais, na perspectiva da socialização da informação, mobilização e organização popular, portanto já existe um caminho traçado para o empoderamento da população usuária.
Sobre exemplificação de intervenções vinculadas a este caminho, podemos citar: contribuir para viabilizar a participação dos/as usuários/as no processo de elaboração e avaliação de planos de políticas públicas; prestar assessoria e consultoria a movimentos sociais; estimular a organização coletiva e orientar/as os usuários/as e trabalhadores/as da política de Assistência Social a constituir entidades representativas; instituir espaços coletivos de socialização de informação sobre os direitos socioassistenciais e sobre o dever do Estado de garantir sua implementação.
No mais, julgo importante apostarmos num caminho onde a nossa resistência possa ser mola propulsora ou reforçadora da resistência da população usuária, e vice-versa, sendo assim uma relação recíproca, de aliança, onde ambos atores possam ser retroalimentados na sua resistência enquanto trabalhadores que vendem sua força de trabalho numa dinâmica de exploração.
GESS: Qual sua percepção sobre a inserção o Serviço Social nas políticas públicas de assistência social? Como se da o fazer profissional?
Importante já afirmar que não existe Politicas de Assistência Social, no plural, já que o Brasil definiu uma Politica Nacional de Assistência social – PNAS 2004 e estabeleceu um modelo único de sua gestão e operacionalização que é o chamado Sistema Único de Assistência social – SUAS.
Embora numa sociedade capitalista, obviamente, o Estado colabore com a manutenção e reprodução de uma estrutura social na lógica dos interesses dominantes, a Política de Assistência Social, enquanto política pública, tem sido um instrumento importante para assegurar a proteção social como um direito de todos e não apenas daqueles que contribuem para um sistema previdenciário.
É uma Política em que os Assistentes Sociais tem um protagonismo expressivo, já que colaborou para que suas ofertas fossem legalizadas e institucionalizadas, na luta pela aprovação da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS, e até o presente momento se configura como uma das categorias essenciais para execução de todos os serviços socioassistenciais.
A despeito de na trajetória histórica da profissão de Assistente Social como na da Política de Assistência Social, existem marcas de práticas assistencialistas, pragmáticas e caritativas, considero que ambas deram um salto qualitativo importante na direção de se colocarem como instrumento para colaborar com a universalização, a ampliação de direitos. Além de contribuírem para fragilizar a lógica da individualização e simplificação de algumas manifestações da questão social.
A atuação dos Assistentes Sociais na Política de Assistência Social, na minha avaliação se caracteriza majoritariamente a partir das seguintes dimensões: abordagens individuais, familiares ou grupais na perspectiva de atendimento às necessidades básicas e acesso aos direitos(no âmbito do acompanhamento individual ou familiar executado pelos serviços socioassistenciais); inserção nos espaços democráticos de controle social(nos conselhos de assistência social, seja como secretário-executivo seja como conselheiro, por exemplo); gerenciamento de serviços, programas, projetos e equipamentos socioassistenciais; planejamento e avaliação da Política de Assistência Social, especialmente quando atua no órgãos gestor da Política (elaboração de Planos de Assistência Social e do seu Orçamento, por exemplo); elaboração de normativas que regulem o acesso da população às ofertas socioassistenciais.
GESS: Na perspectiva da garantia de direitos da população usuária da política de assistência social, considerando o contexto atual de pandemia em função do Covid 19, como se encontra o acesso a referida política?
A Assistência social é uma política com um histórico de financiamento precário, e nos últimos três anos têm vivido seu desfinanciamento caracterizado por uma instabilidade orçamentária quanto às responsabilidades do Governo Federal, com perspectivas de declínio maior diante da Emenda Constitucional 95. Isso impacta diretamente na capacidade de respostas gerando redução das suas ofertas e imprimindo um carácter cada vez mais seletivo para o acesso à proteção, sobretudo à proteção através dos benefícios socioassistenciais e de transferência de renda.
Embora tenhamos um volume expressivo de equipamentos(mais de 10.000 unidades públicas), trabalhadores (Censo SUAS 2014 apontava 256.858 trabalhadores) e usuários(14 milhões de famílias pobres recebem complementação de renda pelo Programa Bolsa Família) da Assistência Social no Brasil, como resultado dos seus avanços conceituais e legais, ainda temos um cenário de descobertura importante e reconhecido pelo IIº Plano Decenal de Assistência Social que traz como uma das suas diretrizes a universalização do SUAS prevendo dentre suas metas ampliação e qualificação da rede socioassistencial e do seu cofinanciamento pelas três esferas de governo.
É claro que num contexto de pandemia, onde as vulnerabilidades e riscos sociais são agravados, e sem a possibilidade de maiores investimentos, o acesso à Assistência Social para quem dela necessitar tem se mostrado um grande desafio, ainda que o Decreto Federal nº 10.282 de 20 de março de 2020 qual classifique a assistência social como “serviços públicos e atividades essenciais – aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”.
As principais demandas em função da pandemia tem se referido ao acolhimento de pessoas em situação de rua, acesso a benefícios eventuais(auxilio moradia, auxilio funeral, auxilio alimentação) e ao Programa Bolsa Família, cadastramento no Cadúnico e adaptações na oferta dos serviços socioassistenciais para prevenir contaminação. Para tanto, os órgãos gestores de Assistência Social tem elaborado planos de contingência e normativas que ambientem as demandas crescentes (já tínhamos uma demanda reprimida e surgi uma nova demanda em função das privações geradas pela pandemia).
GESS: Em tempos de isolamento social percebe-se o aumento dos casos de violência domestica, demanda esta que o Serviço Social enfrenta nos diversos espaços sócio ocupacionais. Quais as possibilidades de intervenção profissional neste contexto? Como você vê a oferta de planejamentos, recursos e execução para o enfrentamento a violência contra as mulheres?
De fato esse aumento de casos de violência doméstica é real. O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos anunciou que houve um aumento de 9% no número de ligações no Disque 180 na primeira quinzena de março, e sabemos que este número tende a está subestimado uma vez que a presença do agressor em casa pode constranger a mulher a realizar uma ligação telefônica.
Os aspectos de restrição de direitos e investimentos em politicas públicas que abordei anteriormente já se coloca como um limite real para o enfrentamento a este tipo de violência na proporção em que ela se apresenta, mas há que se reconhecer as iniciativas realizadas por órgãos de proteção e atendimento à mulheres e crianças e adolescentes vitimas de violência quanto a crianças de novas modalidades de atendimento para não interromper a proteção. Neste sentido, cito iniciativas como criação de novos canais de denuncia, canais de atendimentos virtuais, intensificação de campanhas, recepção de casos novos nas unidades de acolhimento para mulheres vítimas de violência com adaptação nos tramites para permitir uma admissão segura e ágil.
Quanto às expressões das restrições, diminuição ou dificuldades na oferta de proteção à mulheres vitimas de violência, faço referência a alguns dados deste ano do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em relação a estudo feito junto aos Estados de São Paulo, Acre, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Pará, os quais que exigem reflexões e alternativas de proteção ágeis e eficazes:
- De acordo com os dados disponibilizados pelos Tribunais de Justiça de cada estado, o número de solicitações e concessões de medidas protetivas de urgência apresentaram queda de, respectivamente, 3,7% e 8,8% durante o mês de março no estado do Acre quando comparado ao mesmo período do ano passado;
- No Pará, por exemplo, houve uma redução de 49,1% no total de ocorrências de violência contra a mulher registradas entre os dias 19 de março e 02 de abril, ao comparar o mesmo período nos anos de 2019 e 2020;
- No caso das lesões corporais dolosas decorrentes de violência doméstica, por exemplo, no Estado do Mato Grosso os registros de lesão apresentaram queda de 21,9%, passando de 953 em março de 2019 para 744 em março de 2020. No Rio Grande do Sul os registros de agressão em decorrência da violência Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19 7 doméstica apresentaram uma queda de 9,4% em março deste ano em comparação com mesmo mês do ano passado, e de 14,7% em relação a 2018. Também na comparação de março de 2020 com março de 2019, no Acre a queda foi de 28,6%, no Ceará de 29,1%, e no Pará de 13,2%;
- No Acre, a comparação dos feminicídios no consolidado do trimestre mostra crescimento de 33%. No 1º trimestre de 2019 foram 3 feminicídios e no 1º trimestre de 2020 foram 4 mortes. No Mato Grosso os feminicídios dobraram – foram de 11 no 1º trimestre de 2019 para 22 no 1º deste ano. No Pará, os homicídios de mulheres cresceram 11,8% e os feminicídios 187,5%. No Rio Grande do Sul, se compararmos os dados do primeiro trimestre deste ano com o do ano passado verificamos crescimento de 73%, saltando de 15 casos no 1º tri de 2019 para 26 no 1º tri de 2020. Em São Paulo o crescimento é também bastante acentuado. No primeiro trimestre de 2019 foram 39 vítimas de feminicídio e, no primeiro trimestre deste ano 49, crescimento de 25%.
GESS: Como você tem percebido a mobilização da categoria em função do contexto atual? Considere os aspectos políticos e de saúde.
Noto uma mobilização importante com a utilização de ferramentas tecnológicas para os atendimentos a distancia possíveis e para divulgação de conteúdos estratégicos sobre garantia e defesa de direitos, com a vinculação à pesquisas e estudos que permitam explorar melhor o contexto atual e as possibilidade de respostas de proteção social, ou mesmo denunciando a intensificação da precaridade das relações de trabalho dos Assistentes Social neste cenário.
Também avalio positivamente a iniciativa do Conjunto CFESS/CRESS na produção de notas técnicas, e outros documentos orientadores sobre as possibilidades de atuação do Assistente Social em tempos de pandemia e os direitos destes quanto a sua autopreservação.
Do ponto de vista do desafio e dos efeitos mais perversos deste sistema capitalista, mesmo em tempos de crise como a que estamos vivendo, vale sinalizar o nível de desproteção e desgastes de Assistentes Sociais que estão atuando sem equipamentos individuais de proteção ou com equipamentos precários, bem como aqueles que tem vivenciado uma jornada de trabalho excessiva com o home-office.
Ainda precisamos nos fortalecer coletivamente buscando estratégias para mobilização e diálogo com os colegas trabalhadores(as), incluindo os sindicatos e os conselhos profissionais nos debates institucionais referentes as condições de trabalho.
GESS: Em relação ao momento que estamos vivenciando como fica o cenário para a população negra que são a maioria dos nossos assistidos nas politicas públicas?
A população negra, pelas condições precárias, portam de menos condições de enfrentar uma situação de emergência como esta da pandemia COVID 19. Para ilustrar, trago alguns dados sobre as condições de vida dessa população no Brasil como fruto do abandono estatal secular:
- Atlas da violência 2017, do IPEA, aponta que a cada 100 pessoas assassinadas 71 são negras;
- a PNAD Contínua do 3º trimestre de 2018 registrou um desemprego mais alto entre pardos (13,8%) e pretos (14,6%) do que na média da população (11,9%);
- Entre os presos, 61,7% são pretos ou pardos;
- A PNAD Contínua de 2017 mostra que há forte desigualdade na renda média do trabalho: R$ 1.570 para negros, R$ 1.606 para pardos e R$ 2.814 para brancos;
- A taxa de analfabetismo é mais que o dobro entre pretos e pardos (9,9%) do que entre brancos (4,2%), de acordo com a PNAD Contínua de 2016.
Se a pandemia agrava vulnerabilidade já existentes e se os territórios pobres onde a população negra vive são os mais populosos e consequentemente terão um padrão de contaminação mais célere, vou preferir ficar com a contribuição do Filosofo Achile Mbembe que nos presenteia com o debate da necropolítica, ao definir que esta implica em um engendramento de políticas de morte para populações descartáveis que estão para além do extermínio direto mas também a partir de negligencias estatais, submissões e subjugações de corpos à explorações diversas a condições de vida precárias.
Convém apontar uma outra expressão do racismo, especificamente do racismo institucional, no atual contexto, que é a ausência de dados de cor e raça dos vitimados pela COVID 19 nos boletins epidemológicos, apesar da Politica Nacional de Saúde Integral da População Negra prevê entre os seus objetivos específicos, a coleta, processamento e análise de dados desagregados por raça, cor e etnia.
GESS: O Serviço Social precisa a todo momento estar se reinventando. Para dar conta das demandas do mundo moderno de que maneira os efeitos do Covid 19 pode impactar nas ações do Serviço Social frente as políticas públicas?
Vou me permitir apresentar alguns aspectos preocupantes, desafiadores e negativos, como expressões dos efeitos da COVID 19 na atuação do Assistente Social e de Política Públicas:
- processos de precarização dos serviços ofertados, com equipes reduzidas, falta de equipamentos e riscos quanto ao exercício profissional sem a devida proteção ao trabalho;
- ausência de cumprimento das determinações das autoridades sanitárias competentes quanto às orientações para contenção da propagação do vírus;
- ausência de possibilidade de discutir com outros profissionais e gestores/as locais sobre a realização de atividades que devam ser mantidas e aquelas que possam ser suspensas ou reformuladas;
- imposição de realização das visitas domiciliares e de atividades grupais;
- realização do trabalho por videoconferência, uma demanda que cresceu exponencialmente depois da decisão de alguns órgãos de recomendar o trabalho remoto, sem a possibilidade de assegurar os preceitos éticos,.
- intensificação da carga horária de trabalho dos profissionais que estão em serviços considerados essenciais;
- avaliação social para concessão de benefícios sociais, bem como estudo social e parecer social, a distancia, apesar destes não estarem no rol dos procedimentos que podem ser executados à distância, em função de dependerem da análise de elementos e circunstâncias concretas da realidade social;
- burocratização no acesso dos/as usuários/as aos serviços e benefícios;
Para dizer que não falei de flores, quanto às possibilidades de contribuição do Assistente Social na gestão das Políticas publicas em tempos da pandemia em questão aponto:
- incidência dos/as profissionais em espaços de reivindicação e controle social para uma atuação mais efetiva junto às autoridades governamentais na cobrança pela efetivação do conteúdo previsto na Constituição Federal, na garantia da Seguridade Social e dos direitos sociais
GESS: Sendo o Serviço Social uma profissão de caráter critico, sociopolítico e interventivo como a categoria pode estar articulando as temáticas do 15 de maio com as demandas do cotidiano profissional?
O eixo aprovado que pautou a criação do material para este ano foi a “valorização do Serviço Social no contexto de ataque às liberdades democráticas e aos direitos, com ênfase na dimensão pedagógica do trabalho profissional na organização popular e na luta antirracista”.
Como chamada para a comemoração do 15 de maio de 2020 temos : “Trabalhamos em vários espaços, sempre com a população. Serviço Social: conheça e valorize essa profissão”.
Assim, listo algumas possibilidades que podem dar visibilidade à profissão e suas bandeiras de luta, no cotidiano profissional:
- realização de pesquisa e consultas a população usuária, para composição de diagnósticos que permitam subsidiar a definição de ações protetivas;
- debates internos sobre as competências e atribuições privativas do Assistente Social;
- elaboração de projetos para fins de demonstração do volume e complexidade da demanda institucional;
- realização de encontros e seminários, presenciais ou virtuais, para divulgação das entregas e produtos do trabalho do Assistentes Social;
- demonstração, através de relatórios de gestão, dos eixos de atuação ou as dimensões da intervenção profissional;
- divulgação das campanhas que contribuem para assegurar visibilidade da profissão;
- apresentação à instituição de estudos de mestrado e doutorado efetivados por Assistentes Sociais;
- contribuir para capacitação e educação permanente de Assistentes Sociais;
- participação nos diferentes espaços de controle social e planejamento, inclusive elaboração de orçamento, de políticas públicas;
- organizar grupos políticos de Assistentes Sociais, como o GESS Lauro de Freitas, e criar intercâmbio com outros grupos similares;
- assegurar a participação de representantes do conselho de profissão nos eventos da instituição sobre gestão de política publica ou sobre atuação profissional do Assistente Social;
- produzir textos, artigos para publicação, que tratem da atuação do Assistente Social e seus resultados;
- criar canais inovadores e atrativos de comunicação com a população usuária.
GESS: O assédio moral é realidade no Serviço Social em suas várias áreas de atuação. Em tempos de pandemia e distanciamento social eleva o risco desta situação? Como você percebe esta questão?
Mediante considerações, Hirigoyen (2009, p. 65) define: Por assédio moral em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva, manifestando-se, sobretudo, por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho.
De acordo com pesquisa desenvolvida por Silva (2014) através da PUC-SP, junto a assistentes sociais atuantes em diferentes políticas públicas revelou que tanto humilhações, rejeições, hostilizações, ser preterido no processo de escolha para acesso a capacitações, recusa de atestados médicos, são expressões do assédio moral sofrido por representantes desta categoria.
O crescimento do desemprego, ou melhor da população de trabalhadores condenados à “ociosidade socialmente forçada” (IAMAMOTO, 2008) determina o acirramento da concorrência entre os operários, que, sob a ameaça do desemprego, submetem-se às regulações e/ou reduções dos seus salários, aos índices elevados de exigências por produtividade e às práticas abusivas e degradantes à saúde do trabalhador.
No contexto da pandemia, considerando os conceitos e características do assédio moral descritos acima, podemos exemplificar algumas situações de assédio sofrida por Assistentes Social:
- imposição da vinculação do profissional a projetos que reforçam lógicas higienistas, de confinamento da população em situação de rua em grandes estádios, ou mesmo excludentes através de solicitação de construção de critérios para seleção dos mais miseráveis para o acesso a proteção;
- exigir que o profissional assuma atribuições técnico-operativas de avaliação e/ou de triagem clínica para apoio diagnóstico, aferição de sinais vitais, classificações de risco ou outros, os quais não seja capacitado pessoal e tecnicamente, mesmo em situação de calamidade pública(desvio de função como condição para ser mantido no emprego, num cenário de desemprego crescente);
- solicitação e insistência, junto ao profissional, para que atue com o apassivamento dos/as usuários;
GESS: A temática Central de 2020 do Conjunto CFESS/CRESS evidenciam duas questões principais: diversidade de espaços socioocupacionais que a categoria ocupa e o trabalho com a população. Como você percebe as possibilidades de empoderamento da população usuária e o protagonismo da categoria?
A temática central deste ano nos leva a provocar a sociedade a ter a noção correta do papel do Serviço Social, alem de demarcar para quem ofertamos nossas intervenções: trabalhamos sempre com e para a população usuária. Em muitos espaços de trabalho, percebemos as implicações para o setor quando tem um profissional que desconhece a função do assistente social, assim como quando a população não sabe quando acessar o profissional de serviço social. Ter noção, saber reconhecer e valorizar o trabalho que as assistentes sociais realizam no cotidiano é de suma importância para o fortalecimento da profissão e o conseqüente empoderamento da população usuária. O empoderamento da população usuária produz o protagonismo da categoria. É uma relação mutua de fortalecimento.
GESS: Qual sua percepção sobre a inserção do Serviço Social nas políticas publicasde Saúde? Como se da o fazer profissional?
Com o advento do SUS em 1990, a área da saúde foi a que mais teve avanços com a proposta de estabelecer uma rede ampla de serviços voltados às diversas necessidades de saúde da população. No entanto a efetivação do SUS vem se dando a passos largos. O SUS existe há cerca de 30 anos e ao longo dos últimos anos sofreu varias tentativas de desmonte e subfinanciamento. O governo federal vem entregando boa parte do serviço publico a iniciativa privada, num projeto claro de precarização da política publica de saúde, onde a gente vive dois projetos políticos em disputa que demandam varias intervenções do assistente social: o projeto privatista que impõe ao assistente social a seleção socioeconômica dos usuários; ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde; predomínio de praticas individual; dentre outra questões; já no projeto de reforma sanitária as principais demandas para as assistentes sociais são: democratização do acesso aos serviços de saúde; estimulo a participação nas instancias de controle social, ações coletivas; entre outras. Nós temos atribuições e competências privativas que são norteadas pelo nosso código de ética profissional e pela lei de regulamentação da profissão. O nosso fazer profissional se da pela compreensão dos determinantes sociais, políticos, culturais e econômicos que interferem no processo saúde doença e na busca de estratégias para o enfrentamento dessas questões. De forma articulada a outros movimentos, a gente deve procurar fortalecer experiências que efetivem o direito social a saúde
GESS: Na perspectiva da garantia de direitos da população usuária da politica de saúde, considerando o contexto atual de pandemia em função do Covid 19, como se encontra o acesso a referida política?
Na mossa carta magna, a Constituição Federal de 1988 esta posto no seu Artigo 196 que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A oferta de serviços e ações de saúde enquanto política pública se da através do SUS, que em função da crise sanitária que estamos vivenciando esta em evidencia.
Na oferta de atenção primaria a saúde as coisas agora estão começando a se organizar melhor, ate porque estava tudo sendo pensado apenas no atendimento ao paciente COVID. Claro que era necessária a organização de diferentes portas de entrada do paciente covid e a composição de toda uma rede de retaguarda. A atenção primaria se organizou para atender os casos mais leves de pacientes sintomáticos respiratórios, ficando as unidades da media e alta complexidade de emergência de retaguarda para os casos mais graves. No entanto percebe se que em função do coronavírus, muitos pacientes com outras questões – saúde mental, gestantes, hipertensos e diabéticos descompensados, por exemplo, só tem buscado atendimento médico com a situação mais grave, o que piora a evolução do quadro. Daí a necessidade de numa situação de pandemia como estamos, ter toda uma rede organizada para atender toda a população, seja os pacientes sintomáticos respiratórios e/ou pacientes de rotina. Temos muitos pacientes em situação de vulnerabilidade social, doenças crônicas sem, acompanhamento regular em função da necessidade de isolamento social. Estamos vivenciando um tempo novo, muitas questões sem respostas em termos da transmissão, sintomas, consequências do coronavírus, profissionais com receio, temor, no entanto firmes em continuar na oferta de atendimento a população. A população, gestores tem enxergado de forma diferente os profissionais da saúde e entendido melhor a função do SUS. No entanto, os profissionais carecem ainda de políticas mais eficazes voltadas a saúde do trabalhador. E isso não só na saúde, mais em todas as áreas. É o momento de todos perceberem a necessidade de fortalecer e lutar pelo SUS.
GESS: Em tempos de isolamento social percebe se o aumento dos casos de violência doméstica, demanda esta que o Serviço Social enfrenta nos diversos espaços sócio ocupacionais. Quais as possibilidades de intervenção profissional neste contexto? Como você vê a oferta de planejamentos, recursos e execução para o enfrentamento a violência contra as mulheres?
Vivemos numa sociedade ainda marcada pela cultura machista onde o posicionamento de subalternidade construído historicamente impõe a “aceitação” de uma vida permeada de violência pelas mulheres vitimizadas. Medo, insegurança, a própria conjuntura socioeconômica decorrente da pandemia tende a exacerbar as situações de violência, ainda mais em época de isolamento social, onde as mulheres têm passado mais tempo sob a presença de seu agressor. Ressalta se ainda os avanços do Conservadorismo, com o atual governo federal, onde temos vivenciado vários retrocessos nas políticas relacionadas aos direitos das mulheres. Desinvestimentos nos serviços de atendimento, campanhas que reforçam a cultura machista, o discurso de negação de identidade de gênero reforçando toda uma cultura patriarcal, são alguns exemplos que vemos como medidas ou como discurso desse (des)governo.
Por outro lado, agente percebe que em alguns locais têm sido feitos os embates para a melhoria do atendimento a mulher vítima de violência. Aqui no nosso município, temos o Centro de Referência Lélia Gonzalez e o Conselho de Defesa da Mulher como espaços fundamentais de construção de estratégias de enfrentamento a violência. Para os profissionais de Serviço Social existem possibilidades de intervenção considerando as dimensões constitutivas do nosso fazer profissional: dimensão ética política – utilizando os princípios contidos no nosso código de ética para articular discussões dos direitos com e para as mulheres, a dimensão técnica operativa – com os instrumentais necessários para auxiliar a intervenção e a dimensão teórico metodológica com o conjunto de arcabouços teóricos para compreender as particularidades relacionadas as discussões de gênero e violência.
GESS: Como você tem percebido a mobilização da categoria em função do contexto atual? Considere os aspectos políticos e de saúde.
A nossa profissão historicamente tem a defesa dos direitos humanos e a liberdade como valores central. O código de ética profissional qualifica nosso posicionamento frente a diversidade de violações de direitos, que é justamente o principal aspecto do contexto político que vivenciamos na atualidade.
Em relação à mobilização percebo uma categoria bem dividida, a eleição do CRESS demonstrou claramente isso. Alias, desde a eleição para presidente agente percebe essa divisão. Temos colegas que apoiam ou apoiavam esse (des) governo que vai na contramão dos ideais democráticos, de emancipação e defesa intransigente dos direitos humanos que tanto defendemos no nosso cotidiano profissional. Cotidianamente vemos o Governo federal com medidas de retrocesso que impactam profundamente nos Direitos humanos da população brasileira. Mais temos também colegas que não se conformam com o que esta posto, são combativas e buscam através de espaços legítimos (conselhos, sindicatos, fóruns) fazer as discussões e pensar estratégias. Claro que de uma forma geral os trabalhadores estão fragilizados devido ao contexto geral político com a aprovação da reforma trabalhista.
No entanto penso que pelo Serviço Social ser uma profissão de caráter critico no nível micro a categoria faz os embates diários na luta pelo direito do usuário ser atendido num serviço de qualidade, percebo que também tem a mobilização pela melhoria das condições de trabalho. O que precisamos agora é transpor essa luta do nível micro, e fortalecer a luta no coletivo por uma sociedade mais justa e igualitária.
GESS: Em relação ao momento que estamos vivenciando como fica o cenário para a população negra que são a maioria dos nossos assistidos nas politicas públicas?
Diversas pesquisas mostram que as doenças de uma forma geral têm incidência na população a partir de critérios de renda, idade, gênero e raça. Esses são aspectos que direcionam inclusive a evolução da doença considerando acesso rápido a tratamento, condições de alimentação e habitação, pois são questões que interferem no processo de melhora da condição de saúde. Em tempos de pandemia causada pelo COVID 19 diversos grupos populacionais ficam mais expostos e são considerados grupos de riscos. Segundo levantamento do IBGE de 2019 dos 13,5 milhões de brasileiros vivendo em extrema pobreza, 75% são pretos ou pardos. Segundo o estudo, quanto mais pobre é a faixa da população, maior é a porcentagem negra. Fazendo a relação das condições de vida da população negra e o cenário posto pelo COVID 19, temos um nível maior de exposição ao contagio e de letalidade na população negra, considerando que esta população tem maior influência sobre os determinantes sociais de saúde e ainda serem mais acometidos de doenças crônicas como diabetes e hipertensão. Precisamos de medidas mais efetivas que possam reverter o racismo estrutural que afeta a vida da população negra.
O Grupo Temático Racismo e Saúde da ABRASCO – A Associação Brasileira de saúde coletiva traz algumas questões para reduzir impactos negativos da COVID 19 em grupos vulnerabilizados, destaco alguns:
- Estabelecer um novo pacto social no qual todas as pessoas possam viver com dignidade;
- Inserir a variável raça/cor nas fichas de registro e notificação da Covid19, divulgar boletins e outras estatísticas oficiais apresentando dados desagregados também por esta variável;
- Ampliar as condicionalidades nos programas de renda familiar mínima para contemplar os grupos em contexto de maior vulnerabilidade socioeconômica, risco de adoecimento e morte como: refugiados e migrantes, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, marisqueiras, população em situação de rua, entre outros.
- Realizar ações de educação em saúde, utilizando materiais educativos e levar informações sobre a COVID 19 em parceria com organizações, grupos e coletivos negros nos territórios prioritariamente ocupados por população negra;
Ressalta se que são inferências que faço com a relação raça e Covid 19 a partir do que vivencio na pratica profissional aliada a estudos do cotidiano profissional, pois dispomos de poucos dados epidemiológicos que aborde o quesito raça/cor, sendo este um dos aspectos sempre abordados nas pesquisas que abordam o tema.
GESS: O Serviço Social precisa a todo momento estar se reinventando. Para dar conta das demandas do mundo moderno de que maneira os efeitos do Covid 19 pode impactar nas ações do Serviço Social frente as politicas públicas?
Diante do contexto de pandemia com recomendações da Organização Mundial de Saúde em relação ao isolamento, o Governo estadual e municipal decretou a suspensão de alguns serviços e restrição de outros para evitar a disseminação do vírus. Em todos os espaços socioocupacionais têm sido demandado das assistentes sociais uma nova postura frente ao exercício profissional no atendimento ao usuário. Conforme documento de orientações do CRESS, “o/a assistente social deve buscar em seus instrumentos de trabalho alternativas para atendimento às necessidades dos/das usuários/as, atento/a às recomendações para seu autocuidado e cuidado da população atendida. Os instrumentos de trabalho diretos podem e devem ser repensados priorizando aspectos referentes às condutas de prevenção e socialização de informações” (CRESS, 2020)
Assim para cada setor de ocupação/ trabalho, as assistentes sociais compreendendo as particularidades do seu contexto profissional devem criar estratégias criativas e inovadoras para dar respostas efetivas às demandas do cotidiano profissional.
É importante demarcar que somos profissionais necessárias no enfrentamento a situações de calamidade conforme consta no nosso código de ética profissional no 3º artigo onde diz que é dever do assistente social, na relação com a população usuária participar de programas de socorro a população em situação de calamidade pública no atendimento e defesa de seus interesses e necessidades. Com isso quero dizer que temos um compromisso ético em prestar o auxílio a população, claro que resguardando a integridade e segurança do profissional com todas as medidas de precaução e uso de equipamentos de proteção individual.
Acredito que para todos nós como sociedade em geral, teremos que repensar nossas atividades, relações de consumo, cooperação e solidariedade com o próximo. São muitas lições, muito aprendizados com o que estamos vivenciando.
GESS: Sendo o Serviço Social uma profissão de caráter critico, sociopolítico e interventivo como a categoria pode estar articulando as temáticas do 15 de maio com as demandas do cotidiano profissional?
O conjunto CFESS/CRESS vem a cada ano com temáticas que de fato traduzem as inquietações vivenciadas pela categoria no cotidiano profissional. O eixo de discussão deste ano é a ‘valorização do Serviço Social no contexto de ataque as liberdades democráticas e aos direitos, com ênfase na dimensão pedagógica do trabalho profissional na organização popular e antirracista’.
A proposta consiste em discutir a valorização do trabalho do assistente social neste contexto de desafios postos pela ameaça a democracia e dos direitos sociais e isso dentro da crise econômica e de saúde em função do Covid 19. É um cenário complexo que desafia a categoria rever processos de trabalho considerando as condições éticas e técnicas de trabalho. Discute se também a inserção dos assistentes sociais nos vários espaços de atuação: saúde; assistência social; educação; jurídica; habitação; segurança pública, etc.
Para pautar o histórico ‘15 de maio’, dia que a categoria busca participar de espaços de discussão e resistência, já que este ano não vamos poder nos encontrar presencialmente para trocar afetos e estratégias de luta, o GESS traz este conjunto de entrevistas e no final do mês uma live onde vamos discutir Estado laico e democrático. Serviço Social: conheça e valorize a profissão.
GESS: O assédio moral é realidade no Serviço Social em suas várias áreas de atuação. Em tempos de pandemia e distanciamento social eleva o risco desta situação? Como você percebe esta questão?
Para falar de assédio moral agente precisa considerar várias questões: precarização das relações de trabalho, fragilização da luta sindical, adoecimento físico e mental dos trabalhadores.
O CFESS tem um manifesto ‘Assédio moral nas relações de trabalho’ de 2011 onde traz essa discussão sobre o assédio moral nas relações de trabalho dos assistentes sociais, considerando que ele traz impactos negativos para as relações profissionais e sociais, além de repercussões negativas na saúde dos profissionais.
Em tempos de pandemia, com a exigência e ao mesmo tempo necessidade de isolamento social e a instauração de trabalhos remotos, há algumas possibilidades de assédio moral que a categoria precisa estar tenta para combater. Muitas vezes o assédio moral se da numa relação sutil de demonstração de poder. Pode acontecer entre subordinados mais também entre os colegas. Fique atenta:
- Desconsiderar os decretos que versam sobre a liberação de profissionais com mais de 60 anos ou de grupo de risco, convocando os sistematicamente a comparecer ao ambiente de trabalho;
- Chefia imediata desqualificar possíveis motivos de afastamento de trabalho em tempos de covid 19;
- Dificultar a disponibilidade de equipamento de proteção individual ao profissional;
- Sobrecarga de trabalho com as chefias pressionando para as profissionais assumirem escalas de trabalho de colegas afastadas;