A luta contra a discriminação racial sempre foi um ponto marcante em nossa palavra, durante as transmissões legionárias da Boa Vontade. Isso suscitou uma série de entrevistas por mim concedidas à imprensa, a exemplo da realizada pelo meu saudoso amigo Paulo Rappoccio Parisi (1921-2016), em 10 de outubro de 1981. Naquela ocasião, ele me arguiu:
— O senhor julga que o racismo já foi vencido em nossas fronteiras?
Ao que respondi: Absolutamente, não. O racismo continua feroz no Brasil, embora se apresente de modo enrustido por aqui, se comparado ao regime de segregação na África do Sul (estávamos em 1981). Apesar da imensa luta dos abolicionistas, a escravidão, sob diversos aspectos, não cessou. (…)
Racismo é obscenidade (assim como preconceitos sociais, de gênero, religiosos, científicos ou de qualquer outra espécie). Vai solapando não somente os esforços dos negros, mas dos brancos pobres, dos índios, dos imigrantes… Trata-se, também, de uma discriminação social. A ausência do espírito solidário está minando a humanidade. É forçoso erradicar, de vez, o racismo, pois, em seu bojo, surgem os mais tenebrosos tipos de perseguição, que vêm dificultando o estabelecimento da Paz no planeta. Todos juntos, sem desânimo, temos de mudar esse vergonhoso quadro. Somos contra o racismo, porque lutamos, sobretudo, pela dignidade do ser humano.
Saída ideal para o Brasil
Em O Capital de Deus, um de meus próximos lançamentos, no capítulo “Nações anglo-saxônicas e miscigenação”, relembro que, ao ser entrevistado pelo radialista Paulo Vieira, no programa “Jesiliel e os seus sucessos”, na Rádio Estéreo Sul, de Volta Redonda/RJ, em 5 de abril de 1991, expressei ponto de vista que defendo desde a minha adolescência:
Uma saída para o Brasil começa pela necessidade de confiar nele próprio. O dia em que deixarmos de nos restringir ao simples status de copiadores e pararmos com essa conversa de que nosso país é assim por ser resultado de uma miscigenação de negros, europeus e índios, nos levantaremos do “berço esplêndido” e não haverá ninguém que nos possa esmorecer o ânimo.
Brilhante mestiçagem
Dizem por aí:
— As nações anglo-saxônicas, as germânicas, as não sei o que são formidáveis! Vejam como são hoje as que outrora colonizaram.
Mas acontece que, na época de Roma, os anglo-saxões eram considerados inferiores, os germânicos também. A Gália, hoje França, era um atraso. E, no entanto, aqueles povos cresceram. Tiveram tempo para isso (e souberam aproveitá-lo bem). É preciso derrubar esse absurdo, que até parece uma orquestração, que não se sabe de onde vem; ou se sabe?!… A todo momento você encontra um distraído proferindo essa enormidade, fomentando a derrota brasileira:
— Olha, não tem jeito! Somos uma condenada etnia miscigenada de brancos, índios e negros.
Não acredito nisso e protesto contra essa burla suicida. Aqueles que achavam que nas regiões subequatoriais não poderia surgir uma civilização respeitável também estão errados, porque nossa pátria, apesar de todos os seus problemas, avança (ainda que muitas vezes não pareça), contrariando essa ideia.
Fato que se comprova no resultado de estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que aponta o fenômeno de “escurecimento da população brasileira”. Em reportagem publicada pela Agência Brasil, em 20 de novembro de 2008, Dia da Consciência Negra, encontramos:
— a pesquisa indica que mudanças na maneira de pensar das pessoas e não elementos de cunho demográfico são responsáveis pela quase totalidade da mudança. (…) De acordo com a publicação “Desigualdades Raciais, Racismo e Políticas Públicas 120 anos após a Abolição”, até o início dos anos 1990, a população negra vinha aumentando de modo “relativamente lento e vegetativo”, por meio de uma taxa de fecundidade um pouco mais alta para pretos e pardos além do fato de que descendentes de casais de negros e brancos terem maior probabilidade de ter filhos pardos. Já em algum momento entre 1996 e 2001 começa um processo de mudança na maneira como os brasileiros se veem. Durante o período, segundo o Ipea, as pessoas passam a ter menos vergonha de se identificar como negras e deixam de se “branquear” para se legitimar socialmente.
Em entrevista ao programa Conexão Jesus — O Ecumenismo Divino, da Super Rede Boa Vontade de Comunicação (rádio, TV e internet), a profa. dra. Marina de Mello e Souza, livre-docente em História da África e ilustre professora do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), apresentou interessante análise, após explanar sobre a história desse belíssimo continente, tão importante ao equilíbrio mundial:
— Meu sábio pai, já falecido, dizia: “No Brasil, existe branco brasileiro e preto brasileiro”. Ou seja, aqui a gente não tem nem um branco e nem um preto, porque se você colocar um preto brasileiro do lado de um preto africano, você vai ver o quanto de miscigenação tem ali. Então, um branco brasileiro, ao conhecer a história do continente africano, em vez de querer ocultar a sua herança africana, ele vai querer falar: “Opa! Eu também faço parte disso!” O que vejo na minha sala de aula é uma mudança cristalina no rosto do aluno entre o primeiro e o último dia de aula, porque a gente revela uma riqueza completamente desconhecida e, com isso, você abre a possibilidade da autoestima.
Eis que o Brasil é nação de etnias mescladas, para cuja sobrevivência convém seja plenamente reconhecida e vivida a sua brilhante mestiçagem. Justamente porque nela consiste a sua força.
O Brasil é uma grei globalizante
Volvendo os olhos para o nosso país — conforme escrevi em Crônicas e Entrevistas (2000) —, repleto de descendentes de imigrantes e, também, de migrantes esperançosos de que finalmente sejam integrados no melhor do seu tecido social, confirma-se a evidência de que possui um dos mais extraordinários povos do orbe, e com características privilegiadas, em virtude de sua fantástica miscigenação. Ele é uma grei… globalizante…
Mistura de etnias
O jornalista, professor, historiador, ensaísta e engenheiro fluminense Euclides da Cunha (1866-1909), notável mestiço brasileiro, foi grande entusiasta da Amazônia e do Nordeste de nosso território. Suas descrições daquela sofrida região o consagraram com o título de maior escritor do seu tempo e estão registradas em sua obra-prima Os sertões. Nela, narra os horrores da Guerra de Canudos e consegue, com isso, modificar a imagem que o sul do país fazia da região e do homem sertanejo. É dele a famosa frase:
— O sertanejo é, antes de tudo, um forte.
Sobre a miscigenação na Terra de Santa Cruz, ele anotou em 15 de agosto de 1897:
— Índoles diversas, homens nascidos em climas distintos por muitos graus de latitude, contrastando nos hábitos e tendências étnicas, variando nas aparências; frontes de todas as cores — do mestiço trigueiro ao caboclo acobreado e ao branco — aqui chegam e se unificam sob o influxo de uma aspiração única.
Que descrição vibrante!
Para nós, da LBV e da Religião de Deus, do Cristo e do Espírito Santo, só existe uma raça, a Raça Universal dos Filhos de Deus, os Cidadãos do Espírito.
E achamos que a obrigação de gente civilizada é entender-se civilizadamente.
José de Paiva Netto ― Jornalista, radialista e escritor.
paivanetto@lbv.org.br — www.boavontade.com