A transparência progressiva das declarações de Imposto de Renda de Pessoas Físicas (IRPF) é um avanço que deve ser saudado, na medida em que permite melhor ciência da realidade brasileira. Os dados desagregados contribuem para elucidar as desigualdades e distorções existentes no País, não apenas no setor privado, como no caso do impacto da isenção de IRPF aos dividendos, mas também para os problemas do setor público.
Quando se observa as médias salariais do setor público, a constatação imediata é a de que os valores mais elevados estão vinculados ao Poder Judiciário. Os mais de 35 mil membros do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público receberam acima do teto constitucional no ano de 2016. A média dos rendimentos totais mensais dos integrantes do Ministério Público foi de R$ 51.807,99 e a média dos membros do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas foi de R$ 51.366,07.
É preciso notar que essa média diz respeito a todos os servidores, incluindo, portanto, os inúmeros cargos de nível médio e não apenas os juízes e promotores. Embora a alíquota máxima de IRPF seja 27,5%, baixa em termos internacionais, este grupo de declarantes pagou em média 12% de imposto em relação a seus rendimentos anuais. O auxílio-moradia de R$ 4.300, por exemplo, que é superior ao rendimento de 92% dos brasileiros, é isento de IRPF.
Os membros do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público também estavam entre os declarantes do IRPF com as maiores médias patrimoniais. Esses indivíduos declararam possuir uma média patrimonial de R$ 1,3 milhão no ano de 2016. Os mesmos também estão entre os declarantes que receberam as maiores médias de transferências patrimoniais na forma de heranças e doações.
Além de estarem entre os declarantes com as maiores médias de rendimento e de patrimônio, os membros do Poder Judiciário, do Tribunal de Contas e do Ministério Público são os declarantes que mais abatem despesas no IRPF. Esses mais de 35 mil declarantes abateram no IRPF mais de R$ 2,5 bilhões no ano de 2016. As despesas deduzidas foram com contribuições previdenciárias, dependentes, pensão alimentícia, despesas de instrução e despesas médicas.
A média de deduções de imposto dos Procuradores e Promotores do Ministério Público foi de R$ 72.672,21 e a média dos membros do Poder Judiciário e do Tribunal de Contas foi de R$ 70.591,79. Parte dessas deduções são subsídios a gastos privados em saúde e educação, quando deveriam servir para redistribuir a renda daqueles que possuem maiores proventos, a fim de financiar o serviço público coletivo.
Além dos valores salariais e das médias patrimoniais dos membros do Poder Judiciário figurarem entre os maiores nas declarações de IRPF, há auxílios isentos de imposto de renda, em um País que possui uma alíquota máxima relativamente baixa no comparativo internacional. As heranças patrimoniais desses indivíduos estão também entre as mais elevadas, o que contradiz a necessidade de um auxílio-moradia, por exemplo.
Há ainda os subsídios concedidos na forma de deduções de despesas privadas em saúde e em educação que vão em sentido oposto ao imposto sobre a renda, que visa a redistribuí-la e não subsidiar aqueles que mais ganham. Há vasto espaço para que alterações tributárias contribuam na edificação de uma nação menos desigual.