Por Leonardo Sakamoto, em seu blog:
”Se a reforma da Previdência não sair: Tchau, Bolsa Família; adeus, FIES; Sem Novas Estradas; Acabam os Programas Sociais”, diz uma imagem como logo do partido. No fundo, a ilustração de uma cidade em ruínas.
A peça de propaganda vem em um momento em que até a base aliada do governo no Congresso Nacional afirma que a reforma, tal como está, não passa. Até porque esse pessoal pretende se reeleger. E no qual líderes de movimentos que foram às ruas pedir o impeachment de Dilma Rousseff também relatam que a proposta tem sido repudiada por quem não aguenta ver a esquerda nem pintada de amarelo.
Ou seja, a campanha é um sinal de preocupação, porque a classe média começou a sentir a água bater nos glúteos.
Estipular uma idade mínima de 65 anos para aposentadoria (em um país em que trabalhadores braçais de regiões pobres mal tem essa expectativa de vida), com ao menos 25 anos de contribuição (onde a informalidade é grande) e 49 anos para ter pensão integral (considerando que os pobres começam a trabalhar aos 10, 12 anos por necessidade) é reduzir pessoas a estatísticas. Isso sem contar propostas como subir para 65 anos a aposentadoria rural, com 25 anos de contribuição mínima, quando, hoje, basta a comprovação de trabalho no campo para obter a partir de 60 anos (homens) e 55 (mulheres). Ou seja, o sujeito se esfolou em canaviais a vida inteira sem carteira assinada e pode nem ter tempo para desfrutar um descanso.
Não é a primeira vez, contudo, que o PMDB ou Michel Temer usam a chantagem como política de governo.
Em junho do ano passado, Temer afirmou, em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar, que ”ou a Previdência Social tem de ser reformulada ou então todos os pensionistas sofrerão.” Uma declaração do tipo: ”ou liberam o que quero ou consigo um jeito de atrapalhar ainda mais a sua vida”. Temos mais opções para além do maniqueísmo e da dualidade rasos. Sempre. Mas querem nos fazer crer que não.
Claro que o PT utilizou-se do mesmo expediente em campanhas eleitorais, abusando do terrorismo sobre o fim do Bolsa Família em um possível governo adversário, por exemplo. E não só naqueles momentos. Por exemplo, em 2007, o então ministro das Minas e Energia de Lula, Silas Rondeau, disse que ou o licenciamento ambiental das hidrelétricas do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau) saía ou o governo começaria a procurar outras fontes de energia sujas como a térmica ou nuclear.
O interessante é que Rondeau não escolheu a energia eólica, a solar ou a proveniente da biomassa como opções, o que mostra o padrão de desenvolvimento predatório que reinava no governo Lula. Mas também mostra como são estruturadas essas chantagem de ”ou isso, ou aquilo”, no qual escolhe-se um futuro sombrio feito uma maldição que irá se concretizar se não aceitarmos a luz entregue pelos iluminados governantes.
O que intriga no governo Temer e seu partido é que eles aprovam uma PEC do Teto de Gastos no Congresso Nacional, criando uma emenda constitucional que limita novos investimentos em educação e saúde públicas, entre outras áreas, pelos próximos 20 anos, fazendo com que os mais pobres paguem pela crise econômica com a redução da qualidade dos serviços básicos e, agora, vem chantagear com o corte a programas sociais e educacionais? É muita cara de pau.
Temer poderia optar por outras formulações de frase:
”Ou a Previdência Social é reformulada ou então teremos que fazer um grande debate nacional sobre o tema, buscando ouvir diferentes pontos de vista para desenhar uma Previdência Social que não mantenha distorções e nem beneficie apenas alguns grupos em detrimento ao restante da população, não seja usada como caixa de emergência do governo (para isso, taxe-se dividendos recebidos de empresas, por exemplo, e crie alíquotas maiores aos mais ricos no Imposto de Renda), seja capaz de combater a sonegação por parte das empresas e possa garantir o futuro dos mais pobres e da classe média.”
Mas Michel, provavelmente, nunca falaria isso porque assistiria à chapa Dilma-Temer ser cassada pelo TSE no dia seguinte.
Como já disse aqui, a Previdência Social deve passar por mudanças, claro. O Brasil está mais velho e isso deve ser levado em consideração para os que, agora, ingressam no mercado de trabalho. Mas aumentar a idade mínima pura e simplesmente, ignorando que há trabalhadores braçais têm uma vida mais desgastante que o povo que trabalha em escritório é delinquência social.
A beleza de uma democracia é que, nela, os caminhos deveriam ser discutidos abertamente e as decisões tomadas coletivamente. E se há um buraco a ser coberto, que ele seja socializado – com os mais vulneráveis pagando menos o pato do que os mais protegidos.
Mais do que isso: um programa de reformas profundas só poderia ser adotado se validado eleitoralmente pela população – o que não foi o caso. Ou ser ratificado posteriormente através de um referendo – coisa que não deve acontecer. Afinal de contas, o que vocês pensam que é isso? Uma democracia? Se fosse, não estariam dando ao povo uma escolha: ou aceita a revisão de seus direitos, diminuindo seu alcance e efetividade, ou ficam sem nada.
O problema é que o ”autoritarismo” é como uma ”chantagem”: ambos podem ser lustrados com óleo de peroba para perder o jeito opaco, a dureza e a asperez. Mas não perdem sua natureza.