Ana Rita Tavares
Vereadora de Salvador pelo PT
É com muita alegria que demos entrada nesta semana no projeto de lei nº 174/2020, de minha autoria, na Câmara de Vereadores de Salvador. Temos com esse projeto o objetivo de reunir numa mesma luta os defensores da agricultura familiar e agroecológica, as militantes por uma alimentação saudável e sem insumos de origem animal e os ecologistas que defendem uma modelo de produção de alimentos que preserve o meio ambiente e não promova a destruição dos ecossistemas, como é o caso agora da Amazônia, que arde principalmente para dar lugar às pastagens de gado com apoio explícito do governo federal, que deveria ter a prioridade de preservar aquele ecossistema..
Essa reunião de bandeiras que poderiam parecer distintas, mas que na verdade são complementares e interdependentes, demonstra que é possível ter uma política de compras públicas que priorize a agricultura familiar, que hoje é responsável pela maior parte da alimentação do brasileiro, embora não tenham o apoio que o agronegócio para exportação tem. Ao mesmo tempo, como a maior parte da produção agrícola familiar é de produtos de origem vegetal e não animal, estaremos dando impulso a uma alimentação mais saudável para as crianças e pessoas que sejam atendidas nos serviços públicos municipais, e o pilar ecológico dessa política consiste no fato de que é a produção da agroindústria, e não da agricultura familiar, a maior responsável pela poluição de gás carbônico no Brasil e pela destruição de ecossistemas como a Amazônia, o Cerrado, o Pantanal e a Mata Atlântica. Muitos estudos indicam que a alimentação do futuro deve ser ao máximo vegana, pois a proteína animal demanda uma destruição de grande parte do ecossistema e usa uma quantidade de água e recursos que é incompatível com a sustentabilidade e a sobrevivência humana.
Quem informa isso não são os militantes da causa animal, mas um artigo na revista Lancet, a mais respeitada no mundo no campo da Saúde Pública, de janeiro de 2019. A revista Science, também um referencial internacional da comunidade científica, anunciou o maior estudo realizado sobre as consequências da pecuária (Reduzir os Impactos Ambientais dos Alimentos por meio dos Produtores e Consumidores), publicado em maio e 2018 que revelou um dado alarmante: “83% das terras cultiváveis do planeta se destinam a alimentar os animais. Quando são eles que alimentam as pessoas, proporcionam apenas 18% das necessidades calóricas e 37% das proteínas. Além disso, com 570 milhões de fazendas, a perda de espécies é acelerada: 86% dos mamíferos são hoje animais de fazenda ou seres humanos. Sem mencionar o uso de recursos: dois terços da água doce são usados para a irrigação e, de acordo com a FAO, são necessários 15.000 litros para produzir um quilo de carne bovina. Outro relatório publicado em janeiro na revista The Lancet indica que a dieta ideal para a saúde e a sustentabilidade não deve incluir mais de 30 quilocalorias por dia de carne que não seja de ave para uma ingesta total de 2.500 quilocalorias.”(ver o artigo do jornal El País: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/29/eps/1548772174_224933.html e várias ouras matérias sobre o tema)
O PL 174/2020 institui a Política Municipal de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PMAAA), estabelecendo um mínimo de 30% para as compras públicas para merenda escolar e alimentação ofertada em serviços de Saúde e Assistência Social do município. Trata-se de um projeto constitucional,l pois não cria novas despesas para o município, apenas direciona os recursos que já existem para a compra desses produtos para uma alimentação mais saudável e de origem dos pequenos agricultores.
Segundo o projeto, a Política Municipal de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar tem as finalidades de incentivar a agricultura familiar, promovendo a sua inclusão econômica e social e a geração de trabalho e renda; fomentar a produção com sustentabilidade, o processamento de alimentos, a agroindustrialização e a comercialização dos produtos da agricultura familiar; incentivar o consumo e a valorização dos alimentos saudáveis produzidos pela agricultura familiar; promover o abastecimento das redes municipais de educação, de saúde e de assistência social, dos equipamentos públicos de alimentação e nutrição, das secretarias, órgãos e empresas públicas municipais da administração direta e indireta; contribuir para a promoção e o fortalecimento dos sistemas públicos de segurança alimentar e nutricional e de abastecimento, priorizando pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade social; promover a segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação adequada e saudável; promover e valorizar a biodiversidade e a produção orgânica e agroecológica de alimentos, e incentivar hábitos alimentares saudáveis em nível local e regional; fortalecer circuitos locais e regionais e redes de comercialização; e inclusive estimular o cooperativismo e o associativismo, alternativas da Economia Solidária.
O projeto foi debatido com movimentos de pequenos agricultores e contou com muitas contribuições. Agora precisamos fazer esse debate sobre essa polícia pública, envolvendo os outros atores envolvidos com a alimentação saudável e a defesa da sustentabilidade. Trata-se de um projeto que outros municípios já implementaram, o que demonstra que não é impossível mudarmos o paradigma da gestão pública, e também segue os passos já traçados pela Lei Federal nº 11.326, de 24 de julho de 2006, aprovada no governo Lula, que Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais.
O diálogo e a argumentação devem imperar no espaço público e na Política, por isso contamos com a disposição da bancada do governo municipal para aprovar o projeto que é de interesse público e com a participação dos militantes dos movimentos sociais para aprimorar o projeto e viabilizar o bom debate social que deve sempre acompanhar a atividade legislativa. Esse projeto, esperamos, poderá inspirar outros projetos em outros municípios e também em nível estadual, com um debate na Assembleia Legislativa. Mais informações podem ser encontradas em nosso site: