Por 359 votos a favor, 116 contra e duas abstenções, a Câmara Federal aprovou na noite desta terça-feira (25), em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC-241) que limita por 20 anos os gastos públicos – menos para o pagamento dos juros da dívida. Já batizada de PEC da Morte, ela impõe a ditadura do capital financeiro e terá profundos impactos na educação, na saúde e em outros serviços essenciais à população brasileira. Apesar dos inúmeros alertas de especialistas e de entidades da sociedade civil, o covil golpista de Michel Temer usou o rolo compressor para bancar a violenta medida de austeridade fiscal – inédita no mundo. O presidente da Câmara Federal, o demo Rodrigo Maia, chegou a acionar a Polícia Legislativa para esvaziar as galerias e evitar os protestos. O jogo foi pesado e sujo, bem ao estilo do “golpe dos corruptos” que abortou a democracia brasileira.
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PEC 241 reduz deveres do Estado com saúde e educação
Por Laura Carvalho – Folha de S.Paulo – 20/10/2016
No Brasil, a vinculação de recursos tributários para a educação pública teve origem na Constituição de 1934. A ideia que fundamenta a vinculação é de que, para garantir direitos aos cidadãos, é necessário atribuir deveres ao poder público. O artigo 112 da Constituição de 1988 define que a União nunca aplicará menos de 18% da arrecadação de impostos na “manutenção e desenvolvimento do ensino”. Em 2000, o mesmo princípio foi estendido para saúde, que inicialmente acompanhava o crescimento do PIB e, a partir de 2016, passou a estar associada à evolução da arrecadação total.
A exposição de motivos da PEC 241 diz a que veio: “(…) É essencial alterarmos a regra de fixação do gasto mínimo em algumas áreas. Isso porque a Constituição estabelece que as despesas com saúde e educação devem ter um piso, fixado como proporção da receita fiscal”. Em um governo aberto ao debate democrático, a PEC do “teto de gastos” deveria chamar-se PEC da “desvinculação de recursos”.
Sob a alegação de que despesas obrigatórias engessam o Orçamento, a emenda altera o mínimo destinado a essas áreas para o valor vigente quando da implementação da regra, ajustando-o apenas pela inflação do ano anterior. Hoje a União gasta com saúde e educação mais do que o mínimo constitucional. Se em 2017 a União se ativer a esse mínimo, tal valor real passaria a funcionar como piso constitucional por 20 anos, mesmo em caso de expansão da arrecadação.
O governo alega que trata-se de um mínimo, e não de um teto, o que não implicaria necessariamente em um congelamento real dos recursos destinados a essas áreas. No entanto, dada a previsão de crescimento dos gastos com benefícios previdenciários – que ocorrerá por muitos anos mesmo se aprovada a reforma da Previdência -, o teto global para as despesas de cada Poder tornaria inviável a aplicação de um maior volume de recursos nas áreas de saúde e educação públicas. Caso contrário, despesas com outras áreas – cultura, ciência e tecnologia, investimentos em infraestrutura ou assistência social, por exemplo – teriam de ser ainda mais comprimidas ou até mesmo eliminadas.
Na prática, isso significa o abandono do princípio básico que norteou essas vinculações desde 1934, qual seja, de que enquanto não chegarmos aos níveis adequados de qualidade na provisão de educação e saúde públicas, eventuais aumentos na receita com impostos devem ter uma parcela mínima destinada à provisão destes serviços.
Embora haja sempre alguma margem para aumento na qualidade dos serviços pela maior eficiência – sem elevação de despesas -, a evidência é que houve melhora nos indicadores de resultado de ambas as áreas com a destinação maior de recursos na última década.
Ainda assim, os gastos em educação e saúde per capita no Brasil se mantém em níveis muito abaixo da média dos países da OCDE. Com o crescimento populacional nos próximos 20 anos, o congelamento implicará em uma queda vertiginosa nesses indicadores. O envelhecimento da população, em particular, reduzirá muito as despesas com saúde por idoso, com consequências dramáticas sobre os mais vulneráveis.
Na contramão de países como Chile e EUA, que hoje caminham na direção de uma ampliação da gratuidade na provisão desses serviços, a proposta disfarça a desistência de levar o Brasil aos níveis de qualidade de ensino e atendimento em saúde públicos das economias mais avançadas. Em um país com níveis altíssimos de desigualdade social, não é difícil perceber as implicações.