Por Fania Rodrigues, no jornalBrasil de Fato:
Em tempos de “pós-verdade”, conceitos já consolidados, assim como identidades e as conquistas, parecem suspensos no ar. Estão sendo atropelados pela cultura conservadora. Nesse contexto, pensar e discutir o feminismo é um desafio. Não por acaso, os direitos das mulheres foram os primeiros a serem atacados, mas também partiram das mulheres as lutas mais espontâneas e emblemáticas dos últimos dois anos. Foi assim com a “primavera das mulheres”, no Brasil, o movimento “Ni Una a Menos”, na Argentina, e mais recentemente a “Marcha das Mulheres”, nos Estados Unidos, contra o novo presidente Donald Trump.
Para falar sobre feminismo o Brasil de Fato entrevistou a atriz Letícia Sabatella. Ela foi uma das convidadas do evento Mulheres em Movimento, que está sendo realizado essa semana, no Rio de Janeiro, pela organização ELAS Fundo de Investimento Social. A atriz falou sobre os desafios que mulheres e homens devem enfrentar nesse momento de turbulências políticas e sociais no país.
Qual é o papel do feminismo na conjuntura em que a gente vive no Brasil?
É a busca de equilíbrio para o que vem acontecendo. Nós somos as mais atingidas pelo modo neoliberal de pensar a sociedade, com alguns lucrando com a miséria e nenhum cuidado com o bem-estar social. A melhor coisa que alguém pode desejar na vida é abrir a porta de casa, sair tranquila, em paz, e saber que existe educação, saúde de qualidade, que vai poder crescer na vida. Estamos vivendo um tempo em que os valores individualistas parecem mais importantes que o coletivo. Não querem mais pensar coletivamente, isso virou uma coisa imoral. É nosso papel lutar contra isso e a favor de práticas amorosas.
Toda mulher já sofreu algum tipo de machismo em algum momento da vida, senão durante a vida inteira. O mais te incomoda nessa questão do machismo?
Incomoda o tempo inteiro porque as pessoas introjetam o machismo. O machismo vai por dentro, vai minando nossas forças e daqui a pouco qualquer mulher pode introjetar o machismo, são limites que são impostos e incutidos na cabeça dela. Isso vem da cultura machista. A mulher precisa de mais possibilidades, mais liberdade. A sociedade tem que dar mais poder à mulher, mais possibilidades de realização de sonhos diversos e nos liberar de todas essas ideias que nos oprimem e permitir à mulher ter conhecimentos diversificados.
Aquela vez em que você sofreu uma agressão na rua, de manifestante pró-impeachment, em agosto de 2016, em sua opinião, tinha algum viés machista?
Acho que tudo o que configurou o golpe foi machista, até a maneira como se referiam à presidenta Dilma era uma maneira muito misógina (de ódio e aversão à mulher). Tudo isso foi tirando qualquer questão legítima da pauta e foi entrando uma coisa que era embrutecedora. O que estava vindo era algo que fazia crítica de maneira estúpida, ignorante, sem escrúpulo, sem ética e muito destruidor. Quando penso em feminismo até acho que é um nome meio doido porque parece que pende para um lado da balança, mas na verdade ele equilibra a balança, que está pendendo demais para um lado só. Penso no feminismo como algo que não pertence apenas ao movimento de mulheres, pois é algo que liberta e melhora a situação de homens e mulheres.
Gostaria que falasse também sobre seus trabalhos na atualidade e o que está planejando para esse ano.
Estou fazendo um monólogo (no teatro) que é Ilíada, junto com outros 24 atores, cada um fazendo um monólogo. Com esse trabalho, onde compus a trilha sonora com o Fernando Alves Pinto, concorremos ao Prêmio Shell (2014). Agora também estamos fazendo a Caravana Tonteria (um show musical com intervenções teatrais) com algumas músicas próprias e algumas escolhidas. Esse ano estamos ainda com alguns projetos para continuar fazendo a peça A Vida em Vermelho de Edith Piaf e Bertolt Brecht (peça de Aimar Labaki que narra um encontro fictício entre a cantora e o dramaturgo). Vou fazer uma participação na minissérie Carcereiros, na Globo (baseada no livro homônimo do médico Drauzio Varella, sobre o sistema penitenciário). Recentemente também fiz o filme Happy Hour, do diretor Eduardo Albergaria, em uma coprodução Brasil-Argentina.
Por fim, queria que você deixasse uma mensagem para todas as pessoas que estão resistindo e lutando contra retrocessos.
Tenho recebido tanto afeto, tanto amor, tanta adesão e tenho visto tanta gente linda e corajosa lutando que confesso que tenho esperança. Muitas conquistas serão inevitáveis diante do que tenho visto de luta, nisso tenho muita esperança. Me compadeço de todas essas perdas que a gente está tendo. Vejo as dificuldades que estamos vivendo, isso fica claro nas falas lindas de muitas mulheres do movimento negro, indígena, lésbica, movimentos populares importantes. Me emociono com todas elas, com todas as causas das mulheres trabalhadoras. Nossa resposta a tudo isso é o afeto e a reorganização desse feminino que incomoda tanto.