“Tá legal, eu aceito o argumento, mas não me altere o samba tanto assim…”, aproveitando os versos de Paulinho da Viola, digo ok, Zumbi é um ícone da história da resistência negra no Brasil e tem que ser lembrado como tal, mas é também importante dizer do quão desinformador é reduzir a história e seus processos a heróis e personalidades.
Personificar as narrativas é tão ruim para a história, e sua necessária problematização; como também o é para os próprios sujeitos iconizados, a exemplo do caso em questão, Zumbi.
Ruim para a história porque a verdade histórica fica dependendo do olhar de quem vê. Como as relações humanas são marcadas pela relação de poder, a depender de quem pesa mais na balança da influência política, vai-se tendo sempre a meia ou nenhuma verdade sendo vista como a totalidade da verdade.
Ruim para os próprios sujeitos porque quando se personifica os eventos, a tendência é fazer com que o ser humano saia da condição de humano para vestir a pele do vilão ou mocinho, do herói ou bandido.
Em ambos os casos, temos aí um processo de desumanização da pessoa, a idealização weberiana da perfeição ou do defeito, como nos tipos ideias de gente trazidos nos filmes e novelas. Como se no mundo real das paixões e contradições as pessoas fossem a todo instante boas ou más.
Zumbi não foi o único herói da resistência, sequer o único líder de Palmares, que por sua vez também não foi o único quilombo existente no Brasil do século XVII.
Quantas Zeferinas, Dandaras, Marias Felipas e Marielles existiram pra que hoje se pudesse discutir a importância da consciência negra e empoderamento negro?
Quantos Ganga Zumba, Machados de Assis e quantos Limas Barreto? E quantos almirantes negros tiveram de resistir às chibatadas sofridas por João Cândido?
E quantos quilombos com sua cultura, tradições e resistência foram invadidos, antes por capitães do mato e tropas do Império, hoje por concessionárias para abrir estradas em nome do progresso?
O 20 de novembro marca, especialmente, a história de resistência do povo negro diante do racismo à brasileira.
Racismo esse, diga-se de passagem, que a partir do mito da democracia racial, trazido por Gilberto Freire, em Casa Grande e Senzala, consiste na pior de todas as formas de racismo porque faz da camuflagem e sutilezas suas principais características, um oponente invisível no ringue.
Importante no nosso tempo tratar do 20 de novembro não apenas como marco da resistência do povo negro, mas também como oportunidade de discutirmos empoderamento.
Faz-se necessário entender o racismo, se quisermos extinguir esse câncer alojado na estutura da nossa sociedade, que se apresenta pra nós na forma de desigualdade, especialmente do ponto de vista das condições econômicas, sociais, educacionais e também regionais.
O ponto central pra entendermos o racismo reside exatamente no pós-abolição.
Se o Estado Brasileiro tem a oportunidade histórica de promover políticas de reparação e oportunidades, ainda que tardias, e não o faz, a tendência do problema é se agravar. Se além de não promover tais políticas, ainda aprofunda o racismo, a tendência do problema é se agravar em proporções quase ou totalmente insuportáveis.
Pleno século XXI e até a presente data, ainda é surpresa pra nós quando um preto atende outro preto no hospital, sem ser enfermeiro ou técnico de enfermagem. Ele é médico???
Pleno século XXI e até a presente data, nenhum Prefeito negro eleito na cidade mais negra fora da África.
Para além de depositar todas as nossas esperanças na figura de heróis, creio que seja papel dessa maioria numérica que somos nós, só que minoria socialmente falando, lutar para que o 14 de maio de 1888, dia seguinte à abolição, finalmente chegue acompanhado de cidadania, justiça social e equidade.
Prof. Jr Gonçalves
#cidadecidadã #tôdentro