“A casa-grande surta quando a senzala vira médica”. A frase da primeira colocada em Medicina da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, curso mais concorrido da Fuvest-2017, funciona como um recado de Bruna Sena, de 17 anos, para a sociedade. Negra, pobre, estudante de escola pública e criada apenas pela mãe, que recebe somente R$ 1,4 mil mensais como operadora de caixa de supermercado, a adolescente será a primeira da família com curso superior. Alegre com a conquista da filha, Dinália Sena, de 50 anos, também não esconde estar apavorada. Tem medo que a filha seja alvo de ofensas racistas. É que, “no meio dos brancos e ricos da faculdade”, Bruna será o “1% negro”. “Por favor, coloque no jornal que tenho medo dos racistas”, pede uma mãe receosa de uma provável hostilidade contra a filha. Por outro lado, a primeira colocada em Medicina em uma das universidades mais prestigiadas do país mostra-se tranquila. Sabe que a “ascensão social do negro incomoda”, mas também está pronta para responder às ofensas com a defesa de sua raça, de cotas sociais e de mais oportunidades para os negros no país. “Claro que a ascensão social do negro incomoda, assim como incomoda quando o filho da empregada melhora de vida, passa na Fuvest. Não posso dizer que já sofri racismo, até porque não tinha maturidade e conhecimento para reconhecer atitudes racistas”, diz a caloura, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo. Ao defender as costas, Bruna lembra que “não há como concorrer de igual para igual quando não se tem oportunidade de vida iguais”. “Alguns se esquecem do passado, que foram anos de escravidão e sofrimento para os negros. Os programas de cota são paliativos, mas precisam existir”, ressalta. Para enfrentar a alta concorrência de 75,58 candidatos por vaga, a estudante se preparou muito, ao longo de toda sua vida escolar. A dedicação da filha é fruto de orgulho para a mãe. “Ela só tirava notas 9 ou 10. Uma vez, tirou um 7 e fui até a escola para saber o que tinha acontecido. Não dava para acreditar. Falei com o diretor e ele descobriu que tinham trocado a nota dela com um menino chamado Bruno”, alegra-se Dinália. Moradora de um conjunto habitacional na periferia de Ribeirão Preto, a estudante pretende atender, no futuro, pessoas de baixa renda. “Claro que não sei ainda qual especialidade pretendo seguir, mas sei que quero atender pessoas de baixa renda, que precisam de ajuda, que precisam de alguém para dar a mão e de saúde de qualidade”, declara. Engajada na defesa de causas sociais como o feminismo, o movimento negro e a liberdade de gênero, a adolescente orgulha-se do cabelo crespo e de sua origem. “Minha mãe ralou muito para que eu tivesse esse resultado e preciso honrar isso”, afirma.