Crianças e adultos tomam banho na foz, em Buraquinho Joá Souza | Ag. A TARDE
O reflexo das casas e da vegetação no espelho d’água. Árvores verdes, robustas em parte das margens. Numa curva, uma entrada para uma área de manguezal, conhecida como Curva do Jacaré. Na calha, a embarcação parece cortar finalmente a água e deslizar sobre o manancial. Tudo isso num trecho do rio Joanes, na parte em que ele corta a cidade de Lauro de Freitas.
A beleza deste cenário, no entanto, parece se desfazer na medida em que se afasta da foz. É que o mau cheiro vai se tornando cada vez mais intenso quando se segue em direção à barragem Joanes I. A água produz uma espuma de forte odor e adquire uma coloração mais escura.
“Estamos navegando em um esgoto. A água pura é leve, mas isso aqui é um caldo, um chorume. Sequestraram a água e deixaram o esgoto. A poluição daqui é esgoto doméstico, industrial e comercial”, alertou o advogado Caio Marques, integrante da Oscip Rio Limpo, criada por causa da degradação do rio.
O descarte de esgotamento sanitário é o principal problema que o Joanes enfrenta no trecho em que corta Lauro de Freitas. Da nascente à foz, A TARDE acompanhou seu curso d’água em uma série de reportagens especiais para mostrar um diagnóstico da situação deste rio que é de gestão do governo estadual.
Nesta edição, chegamos à última cidade por onde passa o rio até encontrar com o mar na sua foz, na praia de Buraquinho. De um lado, Lauro de Freitas. Do outro, Camaçari. Em ambos, condomínios privados e casas construídos às margens deste manancial que é responsável por cerca de 40% do abastecimento de Salvador, Simões Filho e Lauro.
Por ser uma área de proteção permanente, as construções deveriam ter pelo menos 30 metros de distância da beira do rio. Caio Marques e Fernando Borba, ambos integrantes da Rio Limpo, afirmam que não são os condomínios os responsáveis pela poluição e atribuem a situação ao descarte de esgotamento sanitário que vem do Ipitanga, rio que nasce em Simões Filho e passa por Salvador.
“Nosso maior problema é a falta de saneamento em Salvador que faz com que uma grande quantidade de esgoto venha a cair no Ipitanga e chegue ao Joanes”, disse Marques.
Água na calha
Os integrantes da Rio Limpo se queixam, ainda, de que a Embasa retém a água no barramento de Joanes I, e que uma vazão mínima poderia ajudar a diluir o esgoto. “Há anos pleiteamos da Embasa que cumpra a Lei das Águas, que nenhuma represa pode deixar definitivamente estancada a circulação de água nova para a calha do rio”, frisou Borba.
Esgotamento cai no rio Ipitanga, afluente da bacia do Joanes (Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE)
O secretário de Meio Ambiente de Lauro de Freitas, Alexandre Marques, contou que a prefeitura elabora um estudo sobre a atual situação do manancial, mas sem prazo para finalização. Para ele, o estado do último trecho é resultado da degradação que o rio sofre em todo seu curso, aliado ao impacto provocado pelos afluentes Ipitanga e Sapato, além do descarte de esgotamento que também ocorre em Lauro. Na cidade, só 9% dos imóveis estão ligados à rede de coleta de esgoto e tratamento da Embasa e o município ainda não finalizou o plano de saneamento básico.
O secretário contou que será intensificada a fiscalização. “Vamos fazer ações de conscientização e fiscalizaremos os condomínios para ver se estão descartando o esgoto. Vamos notificar ou até multar”. Ele disse, ainda, que o município planeja criar um projeto de intervenção com a participação de todos os municípios da APA.
Gestão
Por várias vezes, A TARDE tentou entrevistar o gestor da APA Geneci Braz que só respondeu às perguntas por e-mail. Em nota, ele ratificou que o grande problema do Joanes, em Lauro, é decorrente de lançamentos de esgotos domésticos no afluente Ipitanga. “Esta situação é decorrente, em grande parte, do avanço das ocupações informais na área e da reduzida oferta de serviços de infraestrutura de saneamento básico”.
Com relação à vazão da Joanes I, Geneci afirmou que deve “ser bem avaliada”. “A Embasa tem que obedecer aos parâmetros da legislação sobre vazão ecológica. Mesmo com captação de água nos reservatórios, se deve garantir uma quantidade mínima de água”.
A Embasa confirmou que o fluxo mínimo, chamado de vazão de restituição, não ocorre atualmente e que o objetivo dele é manter um fluxo de água e “não diluir esgoto”. Essa vazão, que seria de 53 litros por segundo, só ocorrerá quando a barragem passar por uma reforma, cujo projeto ainda está sendo finalizado.
A Embasa ressaltou ainda, que, nas áreas não atendidas, a concessionária ressaltou que devem ser utilizadas fossas sépticas. Sobre Lauro, a empresa destacou que trabalha para ampliação da rede.
Presidente da Colônia de Pescadores Z57 de Lauro de Freitas, Egberto Teodoro, conhecido como Cotoco, pesca desde os 9 anos ao lado do pai. Ele lembrou da época em que o peixe era farto. “Meu pai chegava a dar peixe”, diz. Com o crescimento da cidade, ele disse que a situação, há uns 15 anos, começou a piorar.
“Depois que veio (sic) esses condomínios na margem do rio que piorou e tem também o Ipitanga que traz muito esgoto. Hoje, não dá mais para depender só da pesca. Tem dias que a gente não pega nada”.
O pescador contou que as marisqueiras tiveram que ir para Jacuípe, diante da escassez. “Meu pai criou nove filhos com o que tirava desse rio. Hoje, ele está com 98 anos. Pegou uma bactéria tão forte que o médico proibiu ele de entrar na água. Eu criei minha filha com esse rio. Tirei os estudos dela daí”.
Por causa da poluição, os pescadores estão tendo que procurar outros trabalhos, como o de pedreiro. “As autoridades precisam se unir e tomarem ‘tendência’. O Joanes está morrendo e pedindo socorro”, finalizou o pescador.
Prefeitura planeja ação conjunta
A prefeitura de Lauro de Freitas planeja realizar um encontro com os secretários de Meio Ambiente de todos os municípios por onde corre o rio Joanes. O secretário de Planejamento do município, Mauro Cardim, afirmou que a situação é “um problema metropolitano”.
“Precisamos analisar soluções viáveis para serem adotadas. É preciso envolver as secretarias de Meio Ambiente, Educação e Saúde de todos os municípios e do Estado também, o Ministério Público, as ONGs, a APA, os pescadores, as marisqueiras”, detalhou Cardim.
“Precisamos analisar soluções viáveis”, diz Mauro Cardim (Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE)
Ele disse que o objetivo é criar “ações positivas”. “Os problemas já sabemos. O rio está quase morto, chega em Lauro em estado de decomposição. As praias só vivem impróprias”. A TARDE esteve na foz e muitas pessoas tomavam banho no local sem parecer se importar com a poluição do Joanes.
Já o secretário de Meio Ambiente, Alexandre Marques, frisou que a ideia é construir um consórcio entre os municípios. A reunião está prevista para ocorrer amanhã.
Em Dias D’Ávila, o Joanes também enfrenta problemas relacionados à ocupação próxima às margens do manancial e o descarte de esgotamento sanitário. O secretário de Meio Ambiente do município, Gerônimo Couto, contou que a prefeitura avalia como transferir residências nessas condições nas comunidades de Futurama 1 e 2 e que estão lá há mais de dez anos.
“Mas não é algo fácil e a crise não está permitindo recurso. Por enquanto, estamos tentando impedir novas ocupações”, destacou Couto. Dias D’Ávila também não tem plano de saneamento básico, documento que tem sido cobrado pelo governo federal com prazo prorrogado até janeiro de 2018. Caso os municípios não tenham esse plano, poderão ficar impossibilitados de acessar recursos federais. Segundo o secretário, o da cidade está sendo finalizado.
Retirada de esgoto é necessidade
A ação mais emergencial de que necessita o rio Joanes é, segundo a professora da Ufba Vânia Campos, a retirada de esgotos brutos que são despejados nele, sem nenhum tipo de tratamento. Há 17 anos, ela foi morar no loteamento de Busca Vida, no distrito de Abrantes, Camaçari. Desde então, ela contou que vem acompanhando “visualmente a degradação de parte do rio”, principalmente da ponte na Estrada do Coco até a praia de Buraquinho.
“Em função disso, comecei a escrever projetos para estudar os detalhes dessa degradação de um rio tão importante para a região”. Vânia contou que orienta uma dissertação de mestrado que tem como objetivo mostrar a evolução da degradação no Joanes nos últimos anos. Há, ainda, uma tese de doutorado sob sua orientação que quer encontrar indicadores adequados para as fontes específicas de poluição no rio.
Para preservar, disse Vânia, são necessárias ações “permanentes e integradas que promovam o uso sustentável do rio”. Ela criticou, ainda, a gestão feita pelo governo estadual, a qual considerou “inexistente”. “A ação mais importante para se recuperar um rio é retirar dele as emissões que prejudicam a sua integridade: efluentes urbanos e industriais. Feito isso, pode se recuperar caso sejam promovidas a recuperação da mata ciliar, a conservação do solo e programas de educação ambiental”.
Em Lauro, na região do entorno da barragem Joanes I, há várias casas em cima de um morro. Uma delas é a da dona de casa Maria Joselita de Souza, 81. Ela contou que chegou ao local em 1972 e tomava banho no rio e ainda bebia de sua água.
“Mas hoje a água está poluída. Antigamente, eu ia quase todo dia pescar. Sustentei quatro filhos com esses peixes. Agora, às vezes, a gente desce e não pega nada”. Joselita disse, ainda, que atualmente tem fossa séptica, mas antes o descarte do esgotamento sanitário era feito no local mesmo. “Até hoje, quem não tem fossa séptica joga na natureza”.
Ocupação prejudica preservação
Alvo de críticas de ambientalistas, especialistas e gestores públicos por causa da necessidade de preservação, a gestão do rio Joanes é de competência do governo do estado. A TARDE procurou o Inema para saber qual avaliação que o órgão faz da própria gestão da APA Joanes-Ipitanga. Por meio de nota, o instituto informou que atua desde 2001 na região de 64.463 hectares e que, nesse período, pôde verificar “o intenso processo de ocupação do território da bacia e os impactos decorrentes”.
“Este trabalho é um constante desafio onde procuramos envolver representantes dos diversos segmentos existentes na região para compreender a dinâmica local vinculando ações de proteção e conservação dos recursos naturais, notadamente os hídricos, ao desenvolvimento da consciência e do exercício da cidadania”, respondeu, em nota, o órgão estadual que é vinculado à Secretaria de Meio Ambiente (Sema).
Como solução para recuperar o rio, o Inema destacou que, entre outros aspectos, é necessário implantar infra-estrutura de saneamento em todos os municípios da bacia, para evitar os lançamentos de efluentes, além de coibir a ocupação desordenada e o desmatamento. A maior parte dos municípios que compõem a bacia do Joanes, no entanto, tem cobertura de saneamento básico abaixo de 50%.
“É preciso ampliar a oferta de infraestrutura dos serviços de saneamento básico, aliada à realização de processos educativos junto à população. Além disso, torna-se extremamente necessário e urgente a elaboração e execução dos Planos Municipais de Saneamento Básico”, ressaltou o gestor da APA, Geneci Braz.
COBERTURA DA REDE DE SANEAMENTO BÁSICO DA EMBASA
São Francisco do Conde – 63,32%
São Sebastião do Passé – 7,68%
Candeais – 51,4%
Dias D’Ávila – 48,62%
Camaçari (sede) – 41,09%
Lauro de Freitas – 9%
Salvador – 85%
Fonte: A Tarde