A rusga entre o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, e o presidente do DEM, ACM Neto, ganhou mais “um capítulo” neste final de semana. Em sua primeira entrevista exclusiva ao Valor Econômico desde que deixou o cargo, Maia não poupou críticas ao baiano.
O deputado federal disse ter demorado a perceber que fora “traído” por um amigo de 20 anos, que levou o partido à neutralidade, em vez de fechar apoio a Baleia Rossi (MDB-SP), o que favoreceu o candidato governista e vencedor da disputa, Arthur Lira (PP-AL).
“Mesmo a gente tendo feito o movimento que interessava ao candidato dele no Senado, ele entregou a nossa cabeça numa bandeja para o Palácio do Planalto”, desabafou ao Valor. Para Maia, o movimento conduzido pelo presidente do DEM, de aproximar o partido ao governo Bolsonaro, faz com que a legenda retome sua origem de direita ou extrema-direita e afastará o apresentador Luciano Huck.
“Foi um processo muito feio do Neto e do Caiado. Ficar contra é legítimo, falar uma coisa e fazer outra, não. Falta caráter, né”, disparou Maia, que não confirmou sua saída do DEM. Para ele, o partido regressou ao passado.
“O grande problema é que o partido voltou ao que era na década de 1980, para antes da redemocratização, quando o presidente do partido aceita inclusive apoiar o Bolsonaro. Isso por decisão da direção partidária. Não é relevante, do ponto de vista do processo político, como cada deputado vota numa eleição para presidente da Câmara. Mas a movimentação da cúpula do partido, principalmente do seu presidente [ACM Neto] e do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, deixou claro que há a intenção de aproximação maior com o governo Bolsonaro, que não será apenas uma relação parlamentar com a agenda econômica, mas mais ampla”.
POSICIONAMENTO
Maia ainda cobrou um posicionamento de ACM Neto. “A frase do presidente do partido terá preço grande a pagar por muitos anos. É um partido sem posição. ‘Posso ir do Bolsonaro ao Ciro Gomes’. Eu não posso ir do Bolsonaro ao Ciro Gomes. Ninguém que queira fazer política de forma orgânica pode. Isso não é um projeto de país. Isso é projeto de partido voltando a ser exclusivamente parlamentar e anexada um governo. Esse movimento que desfaz tudo que construímos desde a década de 90 e que faz ter clareza de que não teremos nenhuma condição de construir um partido forte de centro-direita, que possa ter inclusive uma candidatura presidencial”.
Questionado se a atitude do ex-prefeito de Salvador foi pensada para ter apoio do Governo Federal na disputa pelo Governo da Bahia, Maia desconversou. “Não sei por quê. Não conversei mais com o Neto. Diferentemente do que ele imagina, na verdade o que o Bolsonaro conseguiu foi quebrar a nossa coluna, que era toda acordada, de que nunca estaríamos no governo Bolsonaro e nunca apoiaríamos o Bolsonaro. Isso eu ouvi do presidente ACM Neto centenas de vezes”.
INDEPENDÊNCIA
Curiosamente, poucas horas após publicação da entrevista de Rodrigo Maia, o ex-prefeito ACM Neto falou sobre o assunto. Em entrevista à jornalista Andréia Sadi, na GloboNews, Neto voltou a afirmar que seu partido mantém uma postura independente em relação ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). “Jamais discutimos a possibilidade de integrar a base do Governo Federal. O partido tem essa postura de independência e vai preservá-la. Independência, no entanto, não significa ser oposição ao governo. Mas, vamos deixar claro: não fazemos parte da base, mas não somos oposição”, disse.
Durante a conversa, o ex-prefeito também comentou a possibilidade de Rodrigo Maia, ex-presidente da Câmara dos Deputados, deixar o DEM. “Essa é uma decisão que cabe a Rodrigo Maia. Sempre estivemos juntos e nos posicionamos do mesmo lado nas questões internas do DEM. Rodrigo Maia teve papel fundamental como presidente da Câmara, primeiro no governo Temer, depois no de Bolsonaro, assegurando independência da Câmara e defendeu a democracia. Eu desejo que ele continue e ele tem uma história no partido”, declarou ACM Neto.