Muitos jovens brasileiros terão dificuldade em entender o arrepio que me produziu a cerimônia de filiação do deputado e ex-militar Jair Bolsonaro ao PSL e a liturgia que o acompanhou, em que se mesclaram orações, armas, alusões ao derramamento de sangue, gestos fascistas e a autoproclamação: “Eu sou o Messias”. É preciso ter sido filho de uma ditadura militar de 40 anos, aquela que vivemos os espanhóis sob o cristianíssimo general Franco, para analisar friamente essa cerimônia.
Na Espanha, durante a ditadura, os republicanos e antifranquistas eram chamados de “vermelhos”. Na quarta-feira passada, Bolsonaro, que se apresenta como paladino da antiesquerda, tomando a bandeira do Brasil nas mãos, declarou: “Só tem uma maneira dessa bandeira ficar vermelha: com o meu sangue.” Ao seu lado, o Delegado Waldir profetizou: “Quando este homem subir a rampa do Planalto, as crianças voltarão a cantar o hino nacional nas escolas e o Brasil voltará a ser um país cristão”. Jair Messias Bolsonaro, fazendo um jogo de palavras com seu segundo nome, proclamou: “Eu sou o Messias”. E todos se puseram a rezar.
Se o único vermelho que Bolsonaro suporta é o do seu sangue, e sendo o PSL o nono partido pelo qual já transitou, caberia perguntar quais são as cores de sua bandeira e de seu deus. Sabemos que, no pensamento de Bolsonaro e seus satélites, a ideia de crianças cantando o hino nacional nas escolas e o Brasil “voltando a ser cristão” significa nostalgia de uma teocracia em que se governa mais com a bíblia que com a constituição. Durante o franquismo dizia-se que se era espanhol “pela graça de Deus” e também o único vermelho suportado era o do sangue dos torturados e fuzilados.
Bolsonaro, que sonha em colher alguns despojos do PT de Lula, mas prefere morrer a ver a bandeira brasileira se tornar vermelha, poderia, por um cruel paradoxo, estar reforçando essa esquerda que ele demoniza. A esquerda brasileira, de fato, apesar de suas corrupções e do afastamento dos ideais, acaba sendo menos indigesta que essa mistura explosiva de extrema direita com a Bíblia em uma mão e a metralhadora na outra. E, no meio, o desprezo pela mulher e o pânico ao que aparenta ser diferente.
Também durante o franquismo, o generalíssimo Franco, por privilégio concedido pelo Vaticano, saía de manhã em procissão pelas ruas, cercado de bispos e cardeais sob o baldaquim litúrgico usado para levar a Eucaristia, e à tarde preparava a lista dos que deviam morrer por serem “vermelhos”. Nas escolas, como na de meus pais, as crianças, fazendo a saudação fascista, cantavam obrigatoriamente o hino nacional enquanto se hasteava a bandeira e gritavam o nome de Franco. É aquela lúgubre lembrança de uma Espanha que eu sempre quis esquecer que gostaria de evocar aos jovens brasileiros a quem desejo que nunca tenham de bater continência a nenhum messias e a nenhuma outra bandeira que não a da democracia. Nem a outras cores que não as da liberdade.