Henrique Munduruku, cineasta
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Fazer textos espionados está se tornando uma constante na vida de nós todos. Mas vamos para mais um.
Na segunda feira pós eleição, estava levando meus filhos de 7 e 12 anos para a escola, eram 6:45 da manhã. Ao adentrar numa transversal que liga a Estrada do Coco a av. Luiz Tarquínio, um carro desses grandes e ricos, saiu da esquina sem preferência e saiu na minha frente, não buzinei, não me manifestei, apenas desviei dele e segui o rumo. De repente vejo o carro acelerando e empurrando meu carro pelo fundo, ele subiu 2 vezes no passeio e tentou me empurrar para fora da pista. Fiquei assustado e segui, mas ele continuou atrás e na rua mais a frente, ele me fechou, abriu os vidros e me vendo com duas crianças me ameaçou de morte e me xingou na frente de meus filhos. Sim minha comadre, era um SUV potente com um adesivo de Bolsonaro e o pior de tudo que vi, era um preto que nem eu, porém rico e espumando. Quando parei na frente da escola, meu filho estava tão assustado que nem conseguiu se mexer. Encorajei ele e disse que a vida segue, mesmo que não queiramos isso. Chego em casa arrasado e minha companheira me fala do assassinato covarde de MOA do KATENDÊ. Não sabia muito o que fazer e fui para a praia para chorar e andar. Meu filho ficou doente, com febre e ficou a semana toda sem aula. Eu, impactado por tudo o que me aconteceu e o que aconteceu com MOA, fui no enterro dele e comecei a filmar as manifestações contra o assassinato covarde de mais um preto na Bahia. Nunca dei um tiro na minha vida, a minha mira é a câmera e o que eu posso fazer com ela. Liguei no outro dia para Marcello Benedictis, que é meu parceiro e começamos a ir nas manifestações e captarmos imagem e som. Com isso começamos a fazer essa série “Mataram o Nego”, inspirada no discurso contundente de Mestre Cobra Mansa, pessoa que em uma semana virou meu amigo. Diante disso, tomei uma postura mais radical mesmo, quem votar nesse cara não precisa de minha amizade e de meu afeto.
Outra constatação disso é que se algum capoeirista apoia esse assassino “Besta 17”, deveria ser proibido de usar da capoeira como meio de vida, porque são verdadeiramente traidores de toda a história de libertação que a capoeira carrega. São, talvez, medíocres artistas marciais que não se posicionam e não tem o mínimo de honra a história das pessoas que morreram para que um dia pudéssemos entrar numa roda de capoeira ou num terreiro de Candomblé.
Dito isso, queria pedir que se alguém da minha rede de afetos, seja dessa rede espionada ou da vida real apoia esse demônio, que se afaste de minha pessoa e de minha família, pois uma das coisas que me foram mais difíceis na minha vida, foi conseguir saber quem eu sou e de que lado da história estarei.
NÃO EXISTE ARTE QUE NÃO SEJA POLÍTICA e Rogerinho das Águas só fez me fortalecer nesse caminho. Não sei se ganharemos ou se perderemos todos, o que sei é que enquanto tiver um opressor, eu estarei contra ele com todas as minhas forças.
Fiz 4 filmes sobre a ditadura militar, filmes esses renegados por alguns curadores e aceitos por outros, mas um desses filmes foi sobre um cara que mudou a minha vida, Olney São Paulo, um cara que foi assassinado pela ditadura por ter feito um filme denúncia chamado “Manhã Cinzenta”, realizado no ano de 1968. Nessa deprimente possibilidade de uma ditadura eleita, fico inclinado a entender os riscos que cineastas como eu podem correr.
O que quero dizer com tudo isso é que tenho 46 anos e nunca tive medo de ir em qualquer lugar e hoje eu começo a ter medo do meu vizinho, do pai do coleguinha dos meus filhos e de certos parentes também.
Dentro dessa loucura toda recebo talvez a melhor notícia que tive na minha vida política, a declaração de minha mãe, Jesuina Dantas, que nunca votou na esquerda na sua vida, mas que entendendo todos os riscos que estamos envolvidos declarou votar em Haddad e ainda por cima fez um grupo de orações contra o demônio. Sabia que era descendentes de guerreiros, mas achei que eles estavam mais distantes. Obrigado minha mãe, por tentar diminuir meu sofrimento com tudo isso que acontece nas nossas cabeças.
MOA VIVE
MARIELLE VIVE
E NÓS VAMOS VIVE
Henrique Mendes Dantas Munduruku