Por Fernando Brito, no blog Tijolaço:
Ao contrário da marchinha da ditadura – “este é um país que vai pra frente…” – o Brasil do golpe é, sem qualquer dúvida, um país que vai para trás: para trás no tempo, no grau de civilização e de convívio, tanto quanto vai nos indicadores econômicos.
Não vou tratar dos aspectos de psicologia coletiva, coisa que o Xico Sá faz, maravilhosamente, no artigo que publicou no El País, sobre a mobilização das “brigadas do ódio” diante do fato de Chico Buarque ter ganho o prêmio de literatura Roger Caillois, na França:
Tudo bem que o xará não seja aquela unanimidade do tempo dos festivais, a unanimidade nacional da frase sacana de Nelson Rodrigues, mas, peraí, colega, esse ódio todo ao Chico é sintoma de que o país perdeu de vez o rumo das ventas e a ideia de delicadeza.
Fico na política e na economia, onde minhas limitações são menos graves.
Basta que a gente olhe o que são a nossa política institucional e a política econômica para que a gente veja para que a gente veja a que profundidade geológica chegamos.
Somos presididos por um personagem de terceiro time, como Michel Temer, que não teve, jamais, nem luz própria nem mesmo brilharecos em sua longa carreira política.
Em torno dele, os membros da quadrilha partidária e governamental que ampara, personificados por Moreira Franco e Eliseu Padilha.
Estamos, nessa matéria, piores que no período Sarney, quando ao menos havia uma reação à hegemonia da mediocridade.
Na economia, abandonamos de vez qualquer veleidade de termos um projeto nacional e cuidamos, exclusivamente, do que “vai dar” o IPCA e a taxa de juros, como se uma visão estratégica do Brasil dependesse apenas disso – e do câmbio – para que o santificado tripé macroeconômico virá nos salvar e escancarar as portas do futuro.
Até Fernando Henrique Cardoso poderíamos dizer que era o deslumbramento sabujo ao mercado, mas depois do fracasso do que fizeram, persistir nisso é mais que burrice, é masoquismo.
As questões institucionais do país afundaram a um grau em que se chega, a sério, a discutir a indicação de um fundamentalista da Opus Dei para o Supremo, embora não seja para revogar o divórcio de Nélson Carneiro, mas a CLT de Vargas.
Em apenas três anos e meio desde que a mobilização antidemocrática iniciada em 2013 – e que só iria vestir plenamente sua natureza golpista em 2015 – tenho, por vezes, a impressão que regredimos três décadas, ou pior. Talvez não (oi ainda não) em termos de liberdades políticas. Mas, certamente, tanto ou mais em matéria de capacidade de convívio, de identidade nacional e certamente mais em visão de um futuro próprio para este país.
Nem mesmo a visão de “Brasil Grande” da ditadura, ou sequer a de “sócio menor” do período Fernando Henrique Cardoso temos. Somos apenas um espaço de predação, um campo de caça do capital.
Dói, dói, dói ver o Brasil possuído por esta mediocridade enquanto dos digladiamos em querelas menores. Quem acha que vai, num quadro de desastre nacional, conquistar avanços setoriais não entende a sabedoria expressa no dito popular de que “casa onde falta o pão, todos brigam e ninguém tem razão”. Que no Brasil do atraso só haverá mais segregação, mais racismo, mais fobias por orientação sexual, por tudo o que possa servir para diferenciar e tornar excluído.
A recuperação de uma identidade nacional, de uma visão una de povo brasileiro – falta pouco, nessa segmentação, para que alguns achem que somos “povos brasileiros” – é uma chave para nosso país, porque é neste caldo pátrio que todos podemos brotar, nesta primavera é que todos podemos florescer.
Mas no Brasil degradado, degradamo-nos todos, inclusive os que tem mais e não percebem o quanto são selvagens por escolherem viver numa selva.
O maestro Tom Jobim, tão lembrado nesta semana dos seus 90 anos, escreveu: é impossível ser feliz sozinho.