Divaldo Franco se posicionou no jornal “A Tarde” e foi apresentado como principal líder do Espiritismo. Como cidadão ele pode se posicionar, mas precisamos esclarecer a questão da liderança, pois é mais um equívoco que precisa ser discutido abertamente.
Como livre pensadora espírita, abro esta reflexão afirmando que seria mais enriquecedor do ponto de vista ético para o Espiritismo no Brasil e no Mundo, que o senhor Divaldo Franco, médium baiano que não é líder de nenhum de nós, tivesse mantido seu silêncio sobre o “Especial de Natal Porta dos Fundos” exibido pela Netflix.
Sim, porque muitas vezes “o silêncio é uma prece”, e evita exposições descabidas, como um senhor nonagenário fazendo a vez de porta voz do conservadorismo imiscuído no fascismo, nos convocando a negar sua representatividade sobre a pertença que nos cabe no espiritismo brasileiro.
O personalismo que os espíritas incautos alimentam em Divaldo Franco, nublando sua jornada com penduricalhos de ego, não é novidade no meio – onde a pesquisa, a compreensão pedagógica e a seriedade da vivência racionalizada da fé nos reúne em perspectivas renovadas.
Contudo, chegamos com vergonha alheia ao ponto de explicar o óbvio sobre condutas inadequadas e discursos equivocados, que Divaldo Franco tem se orgulhado de apresentar.
Não tivesse bastado as posturas inoportunas sobre marxismo cultural, ideologia de gênero e votos em Bolsonaro, agora assume a vez de oráculo da nova cruzada, bastião do moralismo vazio, levantando ecos de senso comum em momento político grave, prenhe de ameaças às vidas das pessoas, carregando no bojo uma pseudo-representatividade abrangente, que aqui negamos com veemência: não nos lidera, não nos representa e muitas vezes tem nos envergonhado!
Jesus, para todos nós que interpretamos seu exemplo de amor para além dos limites das nossas imperfeições, não precisa de advogados na terra; pois sequer foi compreendido ainda na totalidade de sua entrega a exemplificar o quanto os sistemas humanos conseguem ser assassinos, hipócritas e viciados em poder.
Jesus foi mutilado em sua corporeidade, por causa da mentalidade que expressava, indo frontalmente contra as desigualdades, o desamor e as exclusões sociais vigentes em seu tempo; foi vitimado pelo sistema que se apresentava majoritário, formal, conservador, e alinhava fé e política como estratégia de poder.
Hoje, quem mataria Jesus?
Os mesmos indivíduos que execram os homossexuais, os comunistas, os ativistas, os sonhadores, os utópicos, os poetas e artistas.
A representação da homossexualidade não ofende Jesus, mas faz lembrar o quanto as vítimas da homofobia encontrariam alento em seus braços; seriam os seus próximos. Jesus os levaria até uma hospedaria, pagaria a diária adiantada e orientaria ao hospedeiro para que deitasse unguentos nas feridas abertas. Deixaria as despesas pagas e prometeria pagar o acréscimo na volta. Jesus os amaria em atos, e com esta energia de amor real nos permitiria vislumbrar o espectro do religioso indiferente, que passa apressado para ir ao templo e nega amar os que caem ou são derrubados.
Não é chocante ver um artista interpretar Jesus gay, pois que a orientação sexual não configura a perdição humana, pois esta volta se aninhar na beligerância, na astúcia do perseguidor, que se oculta como o ladrão para roubar e destruir a liberdade, a aspiração de felicidade e a vida dos menores.
A baixeza moral escapou das ritualísticas cafonas e hoje aliena, confunde e entorpece, nos salões plenos de ideologias fascistas, justificando extermínios humanos em nome dos interesses imperialistas, intolerância religiosa, separatismos de toda ordem, com as vestes da “pessoa de bem”.
Os bons costumes, costumam exercitar a tolerância, o respeito, a liberdade, sem o desejo da destruição daquilo que incomoda; não desqualifica, não incita reações violentas, ódios. Os bons costumes estão saindo das casas espíritas quando as visões perturbadas de um cristianismo servil, ignorante e cruel se manifesta em vozes de pseudo-lideranças, como Divaldo Franco.
Jesus que foi crucificado sem contexto histórico e político, não existe!
Mártires que foram sacrificados sem contexto histórico e político, não existem!
Jesus e os primeiros cristãos sofreram os efeitos estruturais de um sistema letal, injusto, violento, desumano, que não sabe lidar com o amor. Ser cristão não pode significar estar na base deste mesmo sistema, que matou Jesus, que mata os defensores da natureza e da igualdade de condições sociais e humanitárias.
A arte subversiva tem suas mensagens, e se nos incomoda mais a homossexualidade do que a mortalidade planejada, o agrotóxico, a miséria e a guerra, Jesus ainda não entrou no coração, é apenas usado como capa, por quem jamais assumiria uma coroa de espinhos.
Divaldo Franco não tem condições de liderar os frutos do espírito, que sopra onde quer, e floresce distante das cadeiras federativas, exalando bom senso entre as linhas da fé vivida, descalça, originalmente humana, no aperfeiçoamento informal dos sentimentos.
Reforçamos a solidariedade com a arte brasileira em nome da equipe do Porta dos Fundos, e como espíritas livres assinamos o compromisso maior com a democracia e a liberdade de expressão.
Fonte: Repórter Nordeste | Publicado em 12 de janeiro de 2020