No Novembro Negro deste ano, a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial da Bahia (Sepromi) e a sua responsável, Fabya Reis, tiveram uma preocupação extra. Além de discutir e colocar em pauta debates sobre histórias da população negra, como a luta pela liberdade dos 220 anos da Revolução dos Búzios, a pasta trabalhou para pautar a democracia e o contexto político atual, com foco no combate ao racismo institucional.
Fabya Reis, secretária da Sepromi, avalia com preocupação a eleição do capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL) e uma possível continuação do que chamou de “retirada de prioridade da questão racial da pauta do governo federal”. “Precisamos reafirmar que a Bahia é o estado mais negro fora da África. É fundamental a atenção para transversalidade da questão pelo governo federal”, destacou Reis ao lamentar ideias como o fim do Ministério do Trabalho e os prejuízos que isso geraria para a população negra.
“Precisamos que o governo tenha essas metas [para garantir equidade racial]. Como pautar a melhora das relações de trabalho sem um Ministério do Trabalho? Isso é um retrocesso enorme ao analisar as formas de racismo contemporâneos e os trabalhos análogos ao trabalho escravo”, completou Reis, ainda, ao defender a ampliação do debate sobre cotas e habitação.
A Bahia é o único estado que possui uma secretaria de Promoção da Igualdade Racial. Fato comemorado pela secretaria, mas que não deixa de levantar outras preocupações: “Eu avalio como um prejuízo esse cenário, pois queríamos avançar em compromissos que o Brasil é signatário no Decreto Internacional Afrodescendente”.
Trabalhando de forma independente, a pasta avança com projetos para combater o racismo no estado. Neste ano, um dos projetos lançados no Novembro Negro foi o Selo de Combate ao Racismo Institucional pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
Qual o destaque da programação do Novembro Negro deste ano?
Uma série de parcerias de ações entre o governo do estado e a sociedade civil. No primeiro dia de novembro, por exemplo, fizemos o lançamento do Selo de Combate ao Racismo Institucional pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). A iniciativa do selo é uma ação de transversalidade que circulará em todos os processos que chegarão na PGE. Isso ajuda, pois sensibiliza os procuradores, ressaltando a necessidade de equidade nos espaços. Na abertura do Novembro Negro, no dia 8 deste mês, também tivemos uma aula-espetáculo que trouxe uma reflexão dos heróis da Revolta dos Búzios. A luta da Conjuração Baiana este ano celebra 220 anos, por isso destacamos a importância de homens e mulheres negras que ficaram na frente daquele movimento, que sinalizava uma primeira convocação contra o processo de escravização na luta pela liberdade naquele contexto. Fizemos uma sustentação no que chamo de aula-espetáculo sobre os 130 anos da Lei Áurea, que estabeleceu o fim formal à escravidão, mas trouxe uma série de outras reflexões para o processo de desigualdade e de racismo estrutural na Bahia e no Brasil. Aproveitamos aquela noite também para estrear, no palco, alguns jovens atores negros dos bairros do Uruguai e da Plataforma pelo Bando de Teatro Olodum. Eles foram resultados de uma ação institucional, o Edital da Década Internacional Afrodescendente. Fizemos a estreia desses jovens que foram formados por nossas oficinas, no Bando, com muito estilo. Abrimos esse Novembro Negro em homenagem ao mestre Moa do Katendê, fazendo uma reflexão sobres políticas públicas. Não posso também deixar de destacar as marchas protagonizadas por Fóruns de entidades negras no bairro da Liberdade, assim como a marcha da Conen no Campo Grande, a lavagem da estátua de Zumbi dos Palmares e atividades no Pelourinho. Este ano fizemos uma grande integração no conjunto de caminhadas para criar efervescência nesse Novembro Negro que é forte em tempo políticos. É o primeiro novembro após o processo eleitoral. Nossa campanha é alastrada por episódios históricos, mas sem dúvida trazemos essa mensagem do Novembro Negro da diversidade, mas também da democracia.
Existe algum projeto pensado para preservar a memória do mestre Moa do Katendê?
A gente faz o registro com uma série de ações do governo do estado. A exemplo de uma escultura feita por um jovem escultor, assim como nas demais ações institucionais do estado. Tem sido um conjunto de atividades de movimentos que dão repercussão ao caso. Penso que dar efervescência e potência a este Novembro Negro e a ações de combate a o racismo, vai registrando para a história da Bahia a presença do mestre Moa, pelo seu legado e ações por meio do Afoxé. Procuramos retratar a memória de Moa unindo o caso com debates sobre a democracia e sobre a diversidade. Agora, esperamos que cada vez mais as ruas e os movimentos se engajem ao fazer esse registro. Esperamos que nossas ações institucionais estão preparem terreno fértil para o registro acontecer.
Na última semana foi divulgado o plano estadual da Bahia para cumprir as medidas do decreto da Década Afrodescendente. O que é prioridade neste material?
Fizemos uma avaliação do conjunto das políticas públicas e foi tenso, pois temos o estatuto da igualdade racial da Bahia em que algumas ações estão, inclusive, à frente do estatuto nacional. Tivemos a oportunidade de avaliar que aqui no estado já se tem a prática de reserva de 30% das vagas de concursos públicos para a população negra da Bahia. Tratamos esse assunto como uma iniciativa importante para mudar o perfil do servidor e combater o racismo institucional. O governo do estado está analisando também implementação das comissões de verificação racial, durante as etapas do concurso. Hoje trabalhamos a partir de denúncias que chegam e o governo tem que verificar como prevê o estatuto. Mas o movimento da comissão, pleiteia a análise ainda nas etapas do certame. A gente entende essa proposta como bastante razoável e vamos trabalhar para isso avançar.
Qual a perspectiva das políticas afirmativas no futuro, tendo em vista pronunciamentos feitos pelo presidente eleito Jair Bolsonaro?
Ao discutir o plano da Década Afrodescendente, percebemos que a Secretaria de Igualdade Racial da Bahia foi criada em 2006, lastreada por um Ministério Igualdade Racial, que favorecia nossas ações complementares. Tínhamos obrigações dadas pelo governo federal e trabalhávamos no fortalecimento no âmbito dos estados, testando o sistema que era fruto de um sistema de uma pactuação nacional. Hoje avaliamos com dificuldade essa relação, uma vez posta a retirada de prioridade dessa pauta do programa do governo federal. Avaliamos que o governo estadual terá dificuldades em tocar as políticas afirmativas sem o governo federal ter isso como prioridade. Na atualidade somos a única secretaria nos estados de igualdade racial e, no Brasil. Temos apenas uma outra extraordinária no Maranhão, em uma gestão do PCdoB. Eu avalio como um prejuízo esse cenário, pois queríamos avançar em compromissos que o Brasil é signatário no Decreto Internacional Afrodescendente. Tínhamos um governo federal que engajou o governador Rui Costa na pauta. Continuamos a tratar a igualdade racial como prioridade, por isso somos o único estado que é ainda signatário. Temos o compromisso de fortalecer uma agenda internacional e pública de ações de reparações e promoção de igualdade racial, que tem como frente à combate ao racismo. No ano de 2018 foram R$ 82 milhões de orçamento para a secretaria. No total, desde de 2016, temos um balanço muito positivo de R$ 260 milhões de aporte de recursos para campanhas e ações que pedem a ajuda da sociedade civil. Eu diria que uma das principais missões da secretaria é trabalhar em momentos de transversalidade, com prioridade de defesa desses recursos em missões que garantam entregas.
Quais os prejuízos ao retirar a prioridade da pauta racial no governo federal?
Eu vejo como um equívoco qualquer governo que não tenha uma política prioritária de combate racial, assim como políticas de mulheres e para promoção dos direitos humanos. Os governos precisam entender que o nosso Brasil é majoritariamente negro. Precisamos reafirmar que a Bahia é o estado mais negro fora da África. É fundamental a atenção para transversalidade da questão pelo governo federal. Esse é um compromisso reeditado pelo governador Rui Costa e pela nossa secretaria. Vamos fazer todo o esforço para que essa agenda de igualdade racial tenha prioridade. Uma menor atenção do governo federal às políticas de igualdade podem trazer prejuízos à execução de melhorias da questão, acordados pelo Brasil em acordos internacionais. Precisamos que o governo federal tenha essa meta. Por exemplo, como pautar a melhora das relações de trabalho sem um Ministério do Trabalho? Isso é um retrocesso enorme ao analisar as formas de racismo contemporâneos e os trabalhos análogos ao trabalho escravo. Como controlar essas problemáticas se você não tem uma pasta com metas precisas para combatê-las? O discurso vale também para as tratativas das cotas e da segurança pública. Armar as pessoas é simplificar o problema que precisa ser revisto em conjunto a problemas da população negra. É lamentável e é assim que enxergo a situação. O governo precisa entender o racismo como uma questão estrutural da história e atuar com metas bem marcadas. O cenário deixa a Bahia de forma muito isolada.
O que pode ser feito para evitar ou minimizar danos às políticas públicas da Sepromi?
Envolve um conjunto de variáveis que muitas vezes não estão sobre nossa gerência total. Da minha parte e do governo estadual, digo que teremos todo o compromisso de manter o combate aos problemas raciais. Mas estamos vivendo uma crise política e econômica internacional que impacta as escolhas orçamentárias. A gestão precisa ter um conjunto de prioridades, como preocupações com que gastar. Entendo que teremos desafios imensos, mas temos o lastro. Temos leis que orientam e fundamentam a questão racial, como a reserva de vagas para cotistas. O estado terá que ter o seu controle fiscal, mas é fundamental o compromisso político de entender que promover a igualdade racial é importante para resolver um conjunto de outros problemas.
O que tem sido feito diretamente para combater o aumento de casos de intolerância religiosa e racismo?
Faço um destaque a importância da denúncia desses casos para que possamos penalizar os racistas e intolerantes religiosos. Observamos pelo Centro de Referência Nelson Mandela, que está a serviço da sociedade baiana para denúncias, um incremento de casos de racismo e intolerância religiosa em 2018. Desde 2013 até agora, totalizados 468 casos registrados desses crimes. Em 2018, já tivemos 129 casos que passaram pela rede do centro: 79 de racismo e 49 de intolerância de religiosa. Existe um incremento de denunciados em relação ao ano de 2017. Podemos destacar, entre outras motivações, a própria divulgação do serviço do centro. Temos entrevistas e campanhas fazendo a divulgação e debates para a sociedade baiana. Mas não posso deixar de destacar o aumento do autorizo para que as pessoas expressem os seus preconceitos e isso, obviamente, leva as pessoas à terem atitudes que vão da pixação do Terreiro de Oxumarê e apedrejamento de outro Terreiro. Temos acompanhado esses casos. O Centro de Referência tem sido uma parceria com a Associação dos Psicólogos Baianos e com assistência social, por meio da rede de instituições ligadas a nós. Mas temos o presidente eleito Jair Bolsonaro, principal líder do Brasil, com discursos que expressam racismo e xenofobia. Que faz chacota com baianos. Não penso que seja adequado alguém que seja postulante a tão alto cargo, ter essa postura discriminatória. Racista. A gente lamenta isso profundamente. Mesmo nesse cenário é importante que as pessoas não se intimidem e tenham cautela para evitar violências físicas. Que as pessoas possam se cercar de testemunhas para incorporar o processo da denúncia. Grave no celular, se for possível, e se cerque de testemunhas.
O selo da PGE pode contribuir para que processos de injúria racial sejam compreendidos com casos de racismo?
Sem dúvida. A legislação tem caminhado para diferenciar o bullying e a injúria do racismo. O racismo é crime e esperamos que, no momento da denúncia, as competências possam orientar e informar com a peça processual que a vítima foi vítima de racismo e não aceita uma distorção dos fatos para uma tipificação de injúria racial. A injúria não é crime e, diferente do racismo, tem penas alternativas.
Fonte : Bahia Noticias