Com celebrações suspensas nos terreiros, povo de santo faz oferendas individuais para Omolu expulsar coronavírus
Quem poderá salvar tanta gente da dor? Para além dos médicos e da ciência, a quem recorrer nesse momento de incertezas sobre a própria saúde física? Bem, para os integrantes do candomblé e outras religiões de matriz africana, o herói veste palha da costa da cabeça aos pés, carrega uma lança coberta de taliscas de dendezeiro, tem o poder de levar para longe do planeta qualquer enfermidade e atende pelo nome de Omulu, o orixá da cura.
Sem dúvida, trata-se da divindade do candomblé que mais tem sido evocada desde que o coronavírus se tornou uma ameaça. Pode saudá-lo com um simples “atotô”! Mas há quem esteja fazendo muito mais, apesar de os terreiros estarem parados e com atividades suspensas pelos decretos que proibiram aglomerações. É que mesmo sem cultos, celebrações ou festas; mães, pais, filhos e filhas de santo têm feito oferendas individuais durante o isolamento.
Em São Félix, a líder do terreiro Raiz de Airá, da nação Nagô/Vodum e um dos mais tradicionais do Recôncavo Baiano, Mariah de Oxum, 86 anos, fez a promessa de homenagear Omolu em 21 segundas-feiras, dia que na maioria dos terreiros é dedicado ao orixá. Como é possível fazer isso na quarentena? Além de evocá-lo sozinha em seu quarto – já que pertence ao grupo de risco -, Mariah oferece a ele muita pipoca ou, em iorubá, muito doburu.
No terreiro de São Jorge Filho da Gomeia, em Lauro de Freitas, Omolu ganha outro nome. Como se trata de uma casa da nação Angola, a cura está nas mãos de Nsumbu, inquice (e não orixá) que tem uma casa só para ele dentro da roça (terreiro). Para a casa de Nsumbu, além de velas acesas, são levados balaios e mais balaios de pipoca. Algumas vezes, a líder do terreiro, Mameto Kamurici, dá banhos de pipoca no pé de iroco que tem dentro do terreiro. É que o orixá Tempo, representado pelo iroco, é da mesma família de Omolu.
Todos os filhos de santo da casa também têm usado o dia inteiro fios de conta que representam a divindade da cura. “Desde que tudo isso começou, nós todos estamos buscando a energia de Nsumbu para amenizar nossa dor e de toda a humanidade. Pedimos a ele que não nos deixe padecer”, afirma. A sacerdotiza lamenta não poder realizar as festas que o candomblé tanto gosta de fazer.
“Pra gente, é muito difícil estar separado um do outro. Somos uma religião de reuniões, de festas, somos uma grande família. Mas estamos seguindo as orientações das autoridades”, garante. Ela diz que os poucos filhos de santo que estão isolados dentro do terreiro também pedem muito a Bamburucema, como é chamada Iansã na nação Angola. A deusa dos ventos teria o poder de soprar o coronavírus para as profundezas da terra, onde vive Omolu (Nsumbu).