Casal se conheceu em uma igreja evangélica e estava separado
A aposentada Vanúcia dos Santos, 48 anos, tinha muita fé. Tinha fé que seu marido, o marceneiro José Cosme Alves de Brito, 51, voltaria para a igreja e para a casa onde moravam, no Caji, em Lauro de Freitas. Tinha fé que o casamento voltaria às boas. Tinha muita fé em Deus.
A história de Vanúcia foi interrompida por um feminicídio: foi morta por José Cosme, com quem estava casada há cerca de cinco anos e de quem tinha se separado há poucas semanas. José Cosme foi espancado pela população local e segue internado no Hospital Geral do Estado (HGE). A prisão preventiva dele já foi decretada pela Justiça, tão logo tiver alta da instituição.
Em depoimento ao CORREIO, a nora de Vanúcia, a missionária Débora*, 32 anos, conta um pouco mais da história da sogra e da família. Ela espera que, com isso, outras mulheres – de qualquer religião e até sem religião – que sofrem violência decidam quebrar o silêncio.
“Minha sogra aceitou Jesus através da gente, que temos nove anos no Evangelho. Estamos fazendo 10 anos agora em julho. Antes ela não era, mas era uma pessoa religiosa. Através da nossa vida, conheceu a igreja evangélica. Era uma pessoa muito zelosa, muito família, prestativa, que estava sempre ajudando o próximo. Não tinha nada nas mãos em relação a família.
Ela teve um relacionamento com o pai de meu esposo, que é o único filho, mas não se casou. Vanúcia era mãe e pai dele. Depois, ela teve uma pessoa com quem morou, mas essa pessoa teve câncer e morreu. Ela ficou ao lado dele até o ultimo dia da vida, mas não tinham casado no papel.
Ela morava em Vida Nova e vivia sozinha. Tinha nove anos em Lauro (de Freitas). Antes, morava em Gandu. Desde que veio para cá, sempre foi da Assembleia de Deus de Madureira. Ela participava de grupo de senhoras, de coral. No final do ano, teve a festividade da igreja e ela fez a farda. Era uma pessoa muito zelosa com as coisas de Deus.
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Ele (José Cosme) frequentava a igreja independente dela. Mantinha a fé dele do jeito dele e era um cara prestativo na igreja. Antes de ir para a mesma igreja que ela, congregava em outra, em Ipitanga, onde morava. Depois, se conheceram na igreja dela (Assembleia de Deus). Falavam ‘a paz do Senhor’, essas coisas, se viam em reuniões da igreja em que estava todo mundo presente.
Se conheceram em um certo tempo e, em menos de um ano, eles se casaram. Eram casados só na igreja, no religioso, já há uns cinco anos.
Toda vez que a gente ia lá (na casa onde moravam), precisa ver como ele tratava a gente. Era um amor de pessoa. Meus filhos chamam ele de ‘avô, meu avô, meu avô’. Meu filho de 11 anos está revoltado. Não dorme direito, porque quase todo final de semana passava com a avó. Dia de domingo ou a gente ia para lá ou ela vinha para cá. A gente está se sentindo vazio, incompleto, sabe que falta algo? Meu marido tem chorado muito por falta da mãe.
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A gente se surpreendeu com essa reação dele. Depois que isso aconteceu, muitas coisas que a gente não sabia vieram aparecendo. Que ele tinha saído da igreja, que tinha ido embora de casa, ela passava para gente. Mas que ele estava bebendo, se prostituindo, humilhando ela, a gente não sabia. Se prostituía porque ficava com outras pessoas, outras mulheres.
E minha sogra, se ele falasse que ia embora, arrumava a sacolinha dele, botava toalha, lençol. Ela era desse tipo. Então, isso tudo que aconteceu com a gente foi surpresa.
Os filhos dele estão chocados. Ele tem três filhos: dois homens e uma mulher. E, agora, a gente veio saber que a ex-mulher largou ele por essas coisas. A própria filha dele tinha aconselhado Vanúncia a largar ele. Ela dizia: ‘painho não te merece por fazer essas coisas, ele é um vagabundo’.
Mas ela estava crendo que essa era uma fase. Que ele ia voltar para Jesus, que ele ia voltar para casa. Ela acreditava que, se foi Deus quem deu, ele ia restaurar o casamento. Alguns vizinhos falavam que às vezes ouviam discussões, mas parecia coisa de marido e mulher.
Acho que ela escondia de nós por medo mesmo. Se ela sofria alguma ameaça dele, a gente não tinha como saber. Porque é aquela coisa: ele se mostrava ser uma pessoa maravilhosa para a gente, para ela. Ele só não era muito de chegar junto com ela com relação a contas, essas coisas. Nunca pagou nada das contas dela. Ela era aposentada e pensionista, ela tinha o dinheiro dela, mantinha a casa dela, o apartamento dela e ainda ajudava a mãe dela, que mora em Gandu. Ela não dependia dele para nada e ainda ajudava ele.
Acho que ela ficava com medo da reação do filho. Que filho ia aceitar saber que um homem estava maltratando a mãe?
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*Nome fictício
Fonte: Correio da Bahia