Por Shayana Busson
Parece óbvio que qualquer um possa escolher suas vestimentas para sair às ruas.
Mas a senhora Antônia de Souza Maciel foi detida por arbítrio policial ao trocar as saias e vestidos por calças.
Assim publicou o jornal Diário de Notícias da Bahia, que já reservava uma coluna bem pequena às reivindicações feministas.
Foi ali, antes de ontem, minha vó estava vivinha, aquele período bem próximo da 1°guerra mundial, 1910.
O policial encaminhou Antônia á delegacia por considerar sua atitude afrontosa, usar calça era um ato de invasão de atribuições, e tentou a proibir de trajar-se masculinamente.
Como se não bastasse regular nosso dinheiro, nossa escolaridade, nosso sexo, nosso comportamento, os detentores de testículos, homens da sociedade, também poderiam entravar qualquer passo fora da curva, por exemplo, nossas “calças de bainha virada”, a última moda no imaginário do possível às mulheres de outrora.
Não era tão grande problema que os homens explodissem o mundo e se matassem pela partilha da África nas trincheiras da 1° guerra mundial, isso ensejava medalhas de honra e celebrações pomposas.
Já Antônia, por seus “maus modos”, além de presa, ganhava o estigma de “feminista destemida”.
Dentro do poder judiciário, um nobre republicano, Luiz Gonzaga Roland, foi na defesa daquela mulher sob duas alegações :
1 . Seu traje era promessa religiosa;
2. Seu traje facilitava seus ganhos.
O “sensível” juiz de direito, dr. Benedicto de Barros e Vasconcellos, assim recebido o pedido, concedeu habeas-corpus à Antônia, fundamentado no art. 379 do código penal, e sentenciou informando que Antônia não desejava usar calças para enganar a sociedade, e que é violência obrigar a outra a usar roupas que lhe agradem.
Eu não sei dizer se Antônia se afirmava realmente feminista àquela época, mas por essa passagem, podemos situar o nível de desgaste rotineiro o qual vivíamos. A gerência sob nós estava judicializada, estatizada, e só podia ser permitida por eles, entre eles, nos tribunais deles, sob o regime deles.
Que bom viramos o jogo, ora com a proibição, ora com a tutela, ora com a evolução deles também.
Parabéns aos corajosos magistrados e as afrontosas feministas que no dia a dia esfarelam o machismo inútil na Bahia desde o século XX.