No processo relativo à sua prisão, Cunha é acusado de possuir contas na Suíça abastecidas com propinas que somam 1,5 milhão de dólares, originárias de contratos envolvendo atividades da Petrobras na África. O MPF bloqueou os bens do político no valor de 220,6 milhões de reais.
Duas vezes réu no Supremo Tribunal Federal e recordista de inquéritos na Lava Jato, Cunha perdeu o mandato parlamentar em setembro, cinco meses após conduzir o processo de impeachment de Dilma Rousseff. A cassação do peemedebista foi aprovada pelo plenário da Câmara com 450 votos favoráveis, 193 a mais que o mínimo necessário.
A extensa lista de crimes atribuídos a Cunha
Durante busca e apreensão na residência de Cunha, em dezembro do ano passado, foram encontrados documentos referentes a esta operação na África. Em outubro, o lobista Fernando Baiano confirmou a história de Júlio Camargo e confessou arrecadar recursos para o parlamentar e outros peemedebistas.
Uma das acusações mais recentes está relacionada a seu antecessor na Câmara e ex-ministro do Turismo do governo Temer, Henrique Alves. A investigação identificou pagamentos da construtora Carioca Engenharia, uma das envolvidas no escândalo, em uma conta secreta na Suíça pertencente ao ex-ministro do PMDB.
Em delação premiada, o proprietário da empresa, Ricardo Pernambuco, havia citado um repasse de 52 milhões de reais em propinas a Cunha em troca de favores na Caixa Econômica Federal. As gestões ilegais estariam relacionadas a operações de crédito do FI-FGTS para a construção do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro.
Em abril de 2016, tornou-se pública uma planilha entregue por Pernambuco aos investigadores da Lava Jato, com a indicação de 22 depósitos que somam 4,6 milhões de dólares em propinas supostamente pagas ao deputado entre agosto de 2011 e setembro de 2014.
De acordo com as apurações, a transferência para a conta do ex-ministro Henrique Alves foi feita por orientação de Cunha. Para que a operação de crédito fosse aprovada pela Caixa, o ex-presidente da Câmara usava seu apadrinhado no banco, o então vice-presidente Fábio Cleto, para autorizar as liberações. Em delação premiada, Cleto diz que Cunha ficava com 80% dos recursos desviados.
Não bastassem os depoimentos, também foram identificadas contas na Suíça, documentos supostamente relacionados à propina cobrada do Banco Pactual por gestões do parlamentar na elaboração de uma Medida Provisória que regulou a cessão de créditos tributários a instituições financeiras.
Do apadrinhamento de Collor à realeza fisiológica
A passagem de Cunha pela estatal foi marcada pelo processo de implantação da telefonia celular no Rio de Janeiro e por denúncias de irregularidades na contratação de servidores sem concurso. Durante sua gestão, o Tribunal de Contas da União constatou falhas na licitação para a edição de catálogos telefônicos e tratamento privilegiado a fornecedores.
Após a saída da Telerj, em 1993, Cunha atuou como operador na Bolsa de Valores. Em 1995, filiou-se ao PPB (Partido Progressista Brasileiro, atual PP). Nesse período, aproximou-se dos evangélicos, por meio do então deputado federal Francisco Silva, dono da emissora Rádio Melodia FM.
Em 1998, concorreu à vaga de deputado estadual. Com pequena votação, tornou-se suplente. Em 1999, passou a ocupar o cargo de subsecretário de Habitação no governo de Anthony Garotinho.
Em abril do ano seguinte, já como secretário, foi afastado da função após denúncias de irregularidades em contratos sem licitação e favorecimento a empresas fantasmas que somavam 34 milhões de reais. As denúncias levaram o Tribunal de Contas do Estado a notificar Cunha. Em meio a esse cenário, assumiu em 2001 uma vaga como deputado estadual, e em consequência obteve a prerrogativa de foro privilegiado.
Cunha entrou na política nacional em 2002, ao eleger-se deputado federal com 101.495 votos. Repetiu o feito, já filiado ao PMDB, em 2006, quando obteve 130.773 votos, e em 2010, com 150.616 votos.
Em 2013, assumiu a liderança do PMDB na Câmara dos Deputados. Nesse período, liderou uma rebelião da base aliada por mais cargos no governo federal. No comando do chamado “Blocão”, bancada informal de parlamentares movidos por interesses meramente fisiológicos, impôs constrangedoras derrotas ao Planalto em votações na Câmara.
Cunha também tornou-se protagonista entre os segmentos conservadores do Legislativo ao propor obstáculos à demarcação de terras indígenas, encampar a defesa da redução da maioridade penal e fazer ferina oposição à ampliação dos direitos LGBT ou das possibilidades de aborto legal. Era o nascedouro da “bancada BBB“, do Boi, da Bala e da Bíblia, como seus adversários viriam a apelidar a articulação.
Em 2014 foi reeleito para mais uma legislatura com 232.708 votos, terceira maior votação do Rio. Com a decisão de se candidatar à presidência da Câmara dos Deputados, cristalizou sua posição como um dos principais atores políticos do País. Elegeu-se com 267 votos e derrotou no primeiro turno o petista Arlindo Chinaglia (SP).
Com uma campanha montada em cima da insatisfação da base aliada do Planalto, Cunha, após a eleição, aprofundou o processo de distanciamento com o governo, até o rompimento definitivo, em julho daquele ano. Na ocasião, o peemedebista passou a integrar as fileiras da oposição. E trabalhou fortemente para que seu partido adotasse a mesma postura.
O anúncio do rompimento ocorreu em meio à escalada de denúncias que levaram o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a incluir o nome de Cunha em uma lista de políticos suspeitos de integrar o esquema de corrupção e pagamento de propina envolvendo a Petrobras.
O mais longevo processo de cassação da Câmara
Diante da nova revelação, o PSOL e a Rede protocolaram, em 13 de outubro, uma representação contra Cunha no Conselho de Ética. O documento pedia a cassação de seu mandato por quebra de decoro parlamentar. Além da mentira contada à CPI, na declaração enviada à Justiça Eleitoral em 2014, Cunha também não informou ter contas no exterior, apenas uma no Banco Itaú.
Em 3 de dezembro de 2015, horas após o PT anunciar que votaria contra Cunha no Conselho de Ética, o então presidente da Câmara acolheu um dos pedidos de impeachmentapresentados contra Dilma Rousseff. Após uma série de manobras que atrasaram o trabalho do colegiado, em 15 de dezembro o Conselho de Ética autorizou, por 11 votos a nove, o prosseguimento das investigações. Posteriormente, outra manobra levou ao afastamento do então relator, Fausto Pinato, em abril de 2016.
Pinato renunciou à vaga de titular no Conselho de Ética, alegando que o lugar pertencia ao PRB, partido que deixou para migrar para o PP. A deputada Tia Eron, do PRB da Bahia, passou a integrar o colegiado. Com a saída de Pinato, o deputado Margos Rogério assumiu a relatoria do processo contra Cunha, que só foi concluído em 14 de junho, quando o colegiado aprovou por 11 a 9 o parecer pela cassação do mandato.
Em sua defesa, Cunha admitiu ser beneficiário de trustes, tipo de negócio em que terceiros passam a administrar bens do contratante, e que os valores têm origem em operações comerciais e no mercado financeiro, como a venda de carne enlatada para países da África.
Segundo o relatório de Marcos Rogério, os trustes foram usados pelo presidente afastado da Câmara para ocultar patrimônio mantido fora do País e também para receber propina de contratos da Petrobras. Antes da decisão do colegiado, Cunha ainda presidiu a sessão do plenário da Câmara que autorizou a abertura processo de impeachment de Dilma Rousseff, no dia 17 de abril, por 367 votos favoráveis e 137 contrários.
Enquanto trabalhava pela destituição da presidenta eleita, uma expressiva bancada de parlamentares articulava uma “anistia” a Cunha. À época, os aliados mais próximos do peemedebista não escondiam as cartadas lançadas nos bastidores. “Sem ele não teríamos o processo de impeachment. Por isso, Cunha merece ser anistiado”, afirmou o deputado Paulinho da Força, do Solidariedade, ao site Congresso em Foco.
Na ocasião, Osmar Serraglio, do PMDB do Paraná, também defendeu publicamente uma “retribuição” ao correligionário. Integrante da tropa de choque de Cunha no Conselho de Ética, Carlos Marun, do PMDB de Mato Grosso do Sul, tem repetido o discurso desde abril: “Entendo que deva haver uma punição, mas não entendo que deva ser a cassação”.
A votação aberta no plenário da Casa frustrou as expectativas da tropa de choque de Cunha. Com a cassação, o peemedebista não apenas perdeu direito ao foro privilegiado, como também permanecerá inelegível por oito anos, além do tempo restante para o fim do mandato.