Por Carlos Pompe, no site Vermelho:
O Estado de S. Paulo (Estadão) publicou, dia 3 de outubro, no Especial Educação do Estado da Arte, artigo de Guilherme Stein, doutor em Economia pela FGV-SP e assessor da presidência da Fundação de Economia e Estatística (FEE-RS), em que tenta argumentar que os sindicatos de professores atrapalham a educação, ou que trata dos “problemas advindos da sindicalização no meio educacional”, como apresenta o jornal.
O Estadão e seus proprietários, a família Mesquita, darem guarida a esse tipo de artigo não surpreende. Desde seus primórdios, em 1875, quando seus primeiros exemplares estavam “repletos de ofertas de venda e aluguel de escravos. E também de comunicados nos quais os proprietários reclamavam a posse de negros fugidos – o que deu origem ao termo ‘reclames’ como sinônimo de anúncios”, como admite Cley Scholz nas páginas do próprio jornal, trata-se de uma publicação contrária aos direitos dos trabalhadores.
Stein compara o que ele considera “a lógica sindical” com a “lógica de um cartel de empresas”. Segundo ele, os trabalhadores se organizam para aumentar “o poder de barganha nas negociações salariais e de condições de trabalho”. Já o cartel se organiza, também segundo ele, para evitar “que o processo concorrencial faça com que o produto chegue ao consumidor ao melhor preço e qualidade”. Mas, qual é a semelhança entre a ação sindical de conseguir melhores salários e condições de trabalho e a ação do cartel de impedir que cheguem ao mercado produtos mais baratos e melhores? O autor foge da questão, mas afirma que cartel e sindicato querem “excluir potenciais concorrentes de seu mercado. Não é controversa, portanto, a conclusão de que o sindicato trabalha exclusivamente a serviço de seus membros”.
Na verdade, o conclusão é controversa. O autor vê o sindicato com olhos patronais e desconsidera que, se o empresário quer engolir e destruir o concorrente, os trabalhadores, além de lutar por melhores salários e condições de trabalho, também postulam a redução da jornada laboral, não para “excluir potenciais concorrentes”, mas justamente o seu contrário: gerar mais empregos, mais “concorrentes” (na visão patronal do articulista), e com isso melhorar as condições de vida da população.
Karl Marx escreveu que, para um empresário, tanto faz se seu capital está investido numa fábrica de ensino ou numa fábrica de salsicha, desde que obtenha a mais valia do assalariado. O autor incorpora o pensamento empresarial, ao comparar o sindicato dos professores de escolas públicas com o sindicato de metalúrgicos do ABC. “Enquanto a pauta do último tem bandeiras autointeressadas como, por exemplo, aumento de salário e redução de jornada, o primeiro tende a adotar bandeiras mais abstratas e altruístas como ‘A Defesa da Educação Pública'” escreve. E avança, querendo desmerecer a entidade dos profissionais do ensino: “Nesse contexto, uma pergunta que poderíamos levantar é se de fato o objetivo é melhorar a aprendizagem de nossas crianças ou se a bandeira é apenas verniz de baixo do qual se encontraria apenas mais um sindicato como todos os outros” (como todos os outros, podemos entender os metalúrgicos, os trabalhadores da fábrica de salsicha etc.).
Professores comparados a bandido
Ele mesmo responde, adiante, que “o sindicato dos professores não é muito diferente do que qualquer outro sindicato. Seu objetivo é apenas aumentar o poder de barganha na negociação de benefícios para a categoria, independentemente do impacto que eles tenham no aprendizado dos alunos. Nesse caso, a influência sindical aumentaria recursos destinados para educação, mas os alocaria apenas para, por exemplo, aumentar seus salários sem contrapartida de aumento de desempenho dos alunos ao invés de alocá-los na finalidade mais produtiva”.
Parágrafos antes, comparou a atividade dos professores aos “conselhos de um médico a um paciente. O médico tem muito mais informação do que o paciente sobre o que funciona e o que não funciona para curá-lo de uma determinada doença. Logo, recursos gastos com exames, medicamentos e procedimentos cirúrgicos seriam, teoricamente, muito mais eficientemente empregados se o médico os determinar ao invés do paciente”. Mas ele não exemplifica com um médico qualquer, e sim com um médico criminoso, que aproveita “seu conhecimento superior de medicina para fazer o paciente gastar dinheiro em procedimentos e exames desnecessários ou redundantes, apenas para aumentar o pagamento que ele irá receber do plano de saúde”!
Desconsiderando a referência da alocução dos recursos a uma “finalidade mais produtiva” (o que ele considera “produtivo” num estabelecimento de ensino? a venda de hot dog – para ficarmos na indústria de salsicha- na cantina?), é sintomático que o autor faça o paralelo entre os trabalhadores de um serviço público (educação) com outro serviço público (saúde), embora, para tentar dar credibilidade aos seus argumentos, exemplifique com um médico desonesto. É que os serviços públicos não são mercadoria, mas direitos do cidadão – por isso, os profissionais dessas áreas, para além das reivindicações econômicas, incluem também a exigência da melhoria da qualidade no seu fornecimento.
Os trabalhadores das fábricas de salsicha e de automóveis zelam pela qualidade das mercadorias que produzem, mas aqui são exatamente isso: produtos a serem servidos no mercado que, no capitalismo, são submetidos a critérios outros, que não os de serviços essenciais. Uma salsicha contaminada será fiscalizada pela Saúde Pública; um carro com defeito será denunciado pelos serviços de proteção ao consumidor, e em ambos os casos os empresários responsáveis serão (ou deveriam ser) punidos.
Já professores e médicos (os honestos, não o eleito pelo articulista) assumem o compromisso de denunciar à sociedade a falta de condições de realizarem à contento suas funções e por isso, na pauta de negociações, incluem a necessidade de aprimorar meios para que a população seja atendida com qualidade, como merece. Os educadores não atuam com a má fé, acusada pelo autor (que parece ver nos trabalhadores criminosos, até prova em contrário) de apenas “aumentar seus salários sem contrapartida de aumento de desempenho dos alunos”.
O que é bom para os Estados Unidos…
Pretendendo dar cientificidade aos seus argumentos, cita o que considera “o clássico da literatura da economia da educação intitulado ‘How Teachers’ Unions Affect Education Production’, de autoria da pesquisadora Caroline Hoxby”. Stein, inclusive, “adapta” o título do livro para titular seu artigo, alterando porém a palavra affect (afetam, influenciam): “Como os sindicatos prejudicam a educação”. Hoxby realizou uma pesquisa sobre o ensino nos Estados Unidos, e assim apresenta seu trabalho, mas o articulista do Estadão transpõe as conclusões diretamente para o Brasil, seguindo uma velha cantinela das classes dominantes entreguistas locais: “O que é bom para os EUA, é bom para o Brasil”…
O autor abstrai totalmente a realidade brasileira. Desdenhar – e taxar de prejudicial! – a luta dos professores por melhor ensino em um país em que acabam de ser congelados os recursos para a Educação (e outras destinações essenciais) por 20 anos é, por si só, um despautério completo. Digno do Estadão, é verdade, em sua eterna contenda contra os escravos e os direitos trabalhistas dos assalariados.
Stein compara o que ele considera “a lógica sindical” com a “lógica de um cartel de empresas”. Segundo ele, os trabalhadores se organizam para aumentar “o poder de barganha nas negociações salariais e de condições de trabalho”. Já o cartel se organiza, também segundo ele, para evitar “que o processo concorrencial faça com que o produto chegue ao consumidor ao melhor preço e qualidade”. Mas, qual é a semelhança entre a ação sindical de conseguir melhores salários e condições de trabalho e a ação do cartel de impedir que cheguem ao mercado produtos mais baratos e melhores? O autor foge da questão, mas afirma que cartel e sindicato querem “excluir potenciais concorrentes de seu mercado. Não é controversa, portanto, a conclusão de que o sindicato trabalha exclusivamente a serviço de seus membros”.
Na verdade, o conclusão é controversa. O autor vê o sindicato com olhos patronais e desconsidera que, se o empresário quer engolir e destruir o concorrente, os trabalhadores, além de lutar por melhores salários e condições de trabalho, também postulam a redução da jornada laboral, não para “excluir potenciais concorrentes”, mas justamente o seu contrário: gerar mais empregos, mais “concorrentes” (na visão patronal do articulista), e com isso melhorar as condições de vida da população.
Karl Marx escreveu que, para um empresário, tanto faz se seu capital está investido numa fábrica de ensino ou numa fábrica de salsicha, desde que obtenha a mais valia do assalariado. O autor incorpora o pensamento empresarial, ao comparar o sindicato dos professores de escolas públicas com o sindicato de metalúrgicos do ABC. “Enquanto a pauta do último tem bandeiras autointeressadas como, por exemplo, aumento de salário e redução de jornada, o primeiro tende a adotar bandeiras mais abstratas e altruístas como ‘A Defesa da Educação Pública'” escreve. E avança, querendo desmerecer a entidade dos profissionais do ensino: “Nesse contexto, uma pergunta que poderíamos levantar é se de fato o objetivo é melhorar a aprendizagem de nossas crianças ou se a bandeira é apenas verniz de baixo do qual se encontraria apenas mais um sindicato como todos os outros” (como todos os outros, podemos entender os metalúrgicos, os trabalhadores da fábrica de salsicha etc.).
Professores comparados a bandido
Ele mesmo responde, adiante, que “o sindicato dos professores não é muito diferente do que qualquer outro sindicato. Seu objetivo é apenas aumentar o poder de barganha na negociação de benefícios para a categoria, independentemente do impacto que eles tenham no aprendizado dos alunos. Nesse caso, a influência sindical aumentaria recursos destinados para educação, mas os alocaria apenas para, por exemplo, aumentar seus salários sem contrapartida de aumento de desempenho dos alunos ao invés de alocá-los na finalidade mais produtiva”.
Parágrafos antes, comparou a atividade dos professores aos “conselhos de um médico a um paciente. O médico tem muito mais informação do que o paciente sobre o que funciona e o que não funciona para curá-lo de uma determinada doença. Logo, recursos gastos com exames, medicamentos e procedimentos cirúrgicos seriam, teoricamente, muito mais eficientemente empregados se o médico os determinar ao invés do paciente”. Mas ele não exemplifica com um médico qualquer, e sim com um médico criminoso, que aproveita “seu conhecimento superior de medicina para fazer o paciente gastar dinheiro em procedimentos e exames desnecessários ou redundantes, apenas para aumentar o pagamento que ele irá receber do plano de saúde”!
Desconsiderando a referência da alocução dos recursos a uma “finalidade mais produtiva” (o que ele considera “produtivo” num estabelecimento de ensino? a venda de hot dog – para ficarmos na indústria de salsicha- na cantina?), é sintomático que o autor faça o paralelo entre os trabalhadores de um serviço público (educação) com outro serviço público (saúde), embora, para tentar dar credibilidade aos seus argumentos, exemplifique com um médico desonesto. É que os serviços públicos não são mercadoria, mas direitos do cidadão – por isso, os profissionais dessas áreas, para além das reivindicações econômicas, incluem também a exigência da melhoria da qualidade no seu fornecimento.
Os trabalhadores das fábricas de salsicha e de automóveis zelam pela qualidade das mercadorias que produzem, mas aqui são exatamente isso: produtos a serem servidos no mercado que, no capitalismo, são submetidos a critérios outros, que não os de serviços essenciais. Uma salsicha contaminada será fiscalizada pela Saúde Pública; um carro com defeito será denunciado pelos serviços de proteção ao consumidor, e em ambos os casos os empresários responsáveis serão (ou deveriam ser) punidos.
Já professores e médicos (os honestos, não o eleito pelo articulista) assumem o compromisso de denunciar à sociedade a falta de condições de realizarem à contento suas funções e por isso, na pauta de negociações, incluem a necessidade de aprimorar meios para que a população seja atendida com qualidade, como merece. Os educadores não atuam com a má fé, acusada pelo autor (que parece ver nos trabalhadores criminosos, até prova em contrário) de apenas “aumentar seus salários sem contrapartida de aumento de desempenho dos alunos”.
O que é bom para os Estados Unidos…
Pretendendo dar cientificidade aos seus argumentos, cita o que considera “o clássico da literatura da economia da educação intitulado ‘How Teachers’ Unions Affect Education Production’, de autoria da pesquisadora Caroline Hoxby”. Stein, inclusive, “adapta” o título do livro para titular seu artigo, alterando porém a palavra affect (afetam, influenciam): “Como os sindicatos prejudicam a educação”. Hoxby realizou uma pesquisa sobre o ensino nos Estados Unidos, e assim apresenta seu trabalho, mas o articulista do Estadão transpõe as conclusões diretamente para o Brasil, seguindo uma velha cantinela das classes dominantes entreguistas locais: “O que é bom para os EUA, é bom para o Brasil”…
O autor abstrai totalmente a realidade brasileira. Desdenhar – e taxar de prejudicial! – a luta dos professores por melhor ensino em um país em que acabam de ser congelados os recursos para a Educação (e outras destinações essenciais) por 20 anos é, por si só, um despautério completo. Digno do Estadão, é verdade, em sua eterna contenda contra os escravos e os direitos trabalhistas dos assalariados.