Como tantos brasileiros, sou um admirador de Ciro Gomes. Aprendi a respeitar sua postura corajosa para afirmar um pensamento progressista, mesmo em situações adversas.
Só para dar dois exemplos.
Em 2005, na crise provocada pela AP 470, Ciro demonstrou firmeza quando muitos fraquejavam, foi leal quando outros, aliados até mais antigos do governo Lula, preferiam o conforto da sombra. Em 2016, no auge da conspiração conservadora que produziu o golpe de 31 de agosto, Ciro demonstrou que tinha um lado no confronto que levou a mais grave ruptura institucional desde 1964 – o lado certo, da democracia e dos direitos do povo.
Este comportamento deu a Ciro toda legitimidade para pleitear uma candidatura em outubro de 2018, quando, pelo calendário constitucional, o país irá escolher, nas urnas, o presidente da República que irá governar o país pelos quatro anos seguintes. O simples fato de anunciar sua candidatura, num momento de dificuldades e incertezas como o atual, é uma contribuição positiva de Ciro para a defesa da democracia e dos direitos dos mais de 100 milhões de eleitores brasileiros.
Quem se lembra do golpe de 1964, sabe que a mudança no calendário eleitoral foi uma providência básica dos novos ocupantes do poder para consolidar uma ditadura que acabou se prolongando por 21 anos.
Por todas essas razões, só posso discordar integralmente das declarações de Ciro sobre uma possível candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva em 2018. Num debate entre universitários, Ciro afirmou que “Lula é muito forte, muito popular. Mas acho que ele prestará um desserviço ao país e a ele próprio. Na melhor hipótese, ele ganha. Porém, ganharia confrontando de uma forma odienta essa radicalização que se instalou no Brasil a ponto de firmar um golpe de estado em que tem ele como eixo”.
Também disse que “Lula deve por a sua liderança e o peso de sua história para dar passagem a um projeto novo, que experimente outros dizeres, outras relações, outra psicologia coletiva e não ficar se defendendo em um gueto moralista da delegacia de polícia que se transformou a política brasileira”.
São afirmações desastrosas do ponto de vista político. Não respondem às necessidades do momento difícil que o país atravessa nem contribuem para abrir uma perspectiva positiva para uma população que necessita construir uma saída para o precipício político e econômico para o qual está sendo conduzido pelo governo Michel Temer.
O momento atual pede unidade das forças que não perderam o compromisso com a democracia nem a capacidade de distinguir o principal do secundário, de separar o projeto particular do interesse geral. Ninguém tem o direito de fechar o caminho de ninguém. Ultimatos também são dispensáveis.
Na conjuntura atual, onde ocorrem notórias articulações para um golpe dentro do golpe, o que obviamente pode colocar em questão até mesmo a eleição de 2018, não é hora de condenar uma eventual — isso mesmo, eventual — candidatura do mais popular político brasileiro e, conforme todas as pesquisas, hoje favorito do campo progressista numa eleição presidencial. A manutenção de uma candidatura com forte base popular, hoje, é um fator de preservação do calendário eleitoral. Numa população que dá provas continuas de perda de confiança na maioria dos políticos, Lula cumpre um papel inegável.
Mais uma vez, a experiência de 1964 é didática. Antes de acabar com as eleições diretas, o regime militar consumou a cassação dos direitos políticos de Juscelino Kubitschek. Isso ocorreu porque seu apoio eleitoral era um obstáculo óbvio para aventuras anti democráticas. Depois dele, vieram outros cassados, inclusive golpistas civis de primeira hora, que se imaginavam protegidos, como Carlos Lacerda e Adhemar de Barros.
Estou convencido de que, meio século depois, Lula desempenha um papel semelhante na difícil conjuntura de 2016, quando os inimigos da democracia testam limites para sua capacidade de avançar contra direitos e garantias fundamentais. Esta é a razão verdadeira para que seja perseguido de forma implacável.
Este é o ponto em que o país se encontra.
A defesa dos direitos de Lula representa a preservação de conquistas e vitórias ameaçadas todos os dias. A candidatura Lula — apenas uma possibilidade, um direito — tem um caráter de resistência, de defesa de uma fronteira que não queremos que seja ultrapassada, que é o direito soberano do povo escolher livremente seus governantes.
Muito humildemente, ouso dizer que Ciro Gomes não honra um tirocínio político aprovado tantas vezes se imagina que, neste momento, sua pregação pelo país tem um caráter muito diferente. A importância de seus discursos pelo país, o valor de sua mensagem, também se encontra aí. Contribui para manter uma luz acesa numa conjuntura em que a treva dá sinais de avanço.
Esta é a travessia que precisa ser feita. Ninguém está disputando eleição nem precisa provar que é melhor. Numa hora que não permite otimismos ingênuos, a questão é anterior: garantir que a população tenha o direito de ir às urnas e votar em quem achar melhor.