A delação premiada do ex-PM Élcio de Queiroz, divulgada esta semana pela Polícia Federal, revelou novos nomes envolvidos no caso Marielle Franco.
Élcio de Queiroz disse que foi o motorista do carro usado no ataque e confirmou que Ronnie Lessa foi o autor dos disparos.
Uma gravação do dia do assassinato, 14 de março de 2018, mostra quando o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, zona Oeste do Rio de Janeiro, pede autorização para Élcio entrar.
Quem autoriza é Ronnie Lessa. Élcio levaria Ronnie para – horas depois – matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes.
“Ele falou: é agora . Agora, emparelha. Eu só escutei a rajada; da rajada, começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço”, confessou Élcio no mês passado.
O depoimento do ex-PM levou a Polícia Federal à prisão do ex-bombeiro Maxwell Simões, conhecido como Suel. Segundo Élcio, foi ele quem arrumou o carro prata usado no crime.
Novos detalhes foram revelados esta semana na confissão de Élcio, que foi obtida em primeira mão pelo repórter do Fantástico Mahomed Saigg e exibida no Jornal Nacional, na última segunda-feira. Amigos de longa data, Élcio e Ronnie foram PMs do Batalhão de Choque do Rio.
“Ele me informou que teria um carro . Seria um carrinho ruim… um carrinho ruim é um carro de procedência duvidosa, um carro roubado.”
O “carrinho ruim” a que Élcio se referia era o Cobalt prata, carro usado na execução.
Ele também contou que passou a virada do ano de 2017 para 2018 no condomínio de Ronnie Lessa. Na ocasião, Ronnie teria desabafado com ele sobre uma frustração.
“Já tínhamos bebido bastante, aí em tom de desabafo ele comentou comigo que estava chateado, que ele estava num trabalho já algum tempo e teve a oportunidade de um alvo, que seria uma mulher.“
“Ele estava com esse trabalho, ele, o Suel e o Macalé.”
Macalé é Edmilson de Oliveira, também ex-policial militar.
Élcio diz que foi ele quem recebeu a encomenda da execução de Marielle. Ele foi assassinado em 2021.
Segundo investigações do Ministério Público, Macalé era ligado ao bicheiro Bernardo Belo, que foi alvo de uma operação policial, essa semana, por causa do assassinato de um advogado, ano passado. Ele está foragido.
“Essa missão pra eles foi através do Macalé, que chegou até o Ronnie.”
Élcio disse à policia, que só foi chamado a participar do assassinato, no dia do crime.
“Cheguei lá por volta de cinco horas;. Entrei já no carro dele, ele botou a bolsa e saímos.”
Na bolsa, estaria a arma. O carro era o Cobalt prata que, segundo Élcio, estava numa rua logo atrás do condomínio.
“Ele sentou no banco do carona, no banco do passageiro na frente. Aí saíamos. Ele falou: “vai em direção ao centro. No caminho fui perguntando qual é a situação? A situação é, aí ele falou que era a vereadora, falou o nome, eu não sabia quem era. Eu perguntei: “tem dinheiro nisso aí, o que é que é?” Ai ele falou: “não, é pessoal.”
“Nós estacionamos. Ele começou a arriar o banco. Deixou totalmente na horizontal pra passar pra trás. Eu olho para o retrovisor, ele já estava colocando o casaco, tipo que se equipando. Daqui a pouco ele tira a metralhadora; no caso a arma do crime; coloca o silenciador. Na hora do momento que ela saiu, ele falou: “é ela.” Aí ela deu a volta. Só que ela fala com uma pessoa. Aí eu falei: ‘e agora, e essa senhora? ‘Achei que ia abortar a missão. Ele falou: ‘fica tranquilo que não vai pegar nela não.”
O carro com Marielle, Anderson e a assessora Fernanda Chaves sai. Élcio e Ronnie o seguem .
“O veículo estava parado esperando uma oportunidade pra poder entrar e, nesse momento, ele falou: é agora e emparelha… Eu emparelhei e botei meu vidro… a minha janela paralela ao carona do carro do Anderson; não vi, pois o vidro é escuro; ele já estava com o vidro aberto e eu só escutei a rajada; quem pensa que é silencioso… mas faz um barulho danado. Aí caíram as cápsulas em mim e ele falou “vambora”.
Fernanda Chaves foi a única sobrevivente. Élcio contou que, depois da execução, Ronnie pediu que ele dirigisse até um endereço, no Méier, zona norte do Rio. Na rua, eles estacionaram o Cobalt prata e caminharam ao condomínio da mãe de Ronnie.
O irmão de Ronnie é Denis Lessa, que foi alvo de busca e apreensão esta semana. Ele confirmou, em depoimento que recebeu do irmão a bolsa. Mas disse que não olhou dentro dela. “Eu vou guardar lá e aproveito vou pedir um carro. Vou pedir táxi Méier, tá? Porque eu tenho cadastro.”
Depois do depoimento de Élcio, a Polícia Federal confirmou com a cooperativa de táxi que a viagem de fato aconteceu. O táxi levou a dupla de volta às proximidades da casa de Ronnie. Élcio contou que eles foram beber num bar, depois do assassinato.
O bar fica na Barra da Tijuca. Elcio disse que ele e Ronnie chegaram e logo encontraram Maxwell, que estava com a esposa. A morte de Marielle e Anderson já era noticia na tv.
“A primeira coisa que fez foi o Suel vir na direção do Ronnie. Andando já. Eu sabia eram vocês.”
Élcio contou que, no dia seguinte, foi com Ronnie e Maxwell buscar o Cobalt na rua da mãe de Ronnie. De lá, eles seguiram, em dois carros, para a casa de Élcio.
De acordo com Élcio, eles trocaram a placa do Cobalt, e deixaram o carro de novo nas proximidades da casa da mãe do Ronnie. No trajeto de volta, eles se desfizeram de algumas provas do crime, por um caminho, beirando a linha do trem.
“O Ronnie foi despachando a placa. Ele jogava. Ele tava no banco do carona, Maxwell atrás e eu dirigindo. Foi desfazendo até o momento que acabou as placas.”
Élcio contou que no dia 16 de março eles então levaram o Cobalt até o bairro de Rocha Miranda, na zona norte.
“Eu estacionei o carro ali pra buscar o Orelha.”
“Orelha” é Edmilson Barbosa dos Santos. Na última segunda, a casa dele também foi alvo de busca e apreensão.
“Nós pegamos ele e ele entrou no carro. O Ronnie começou a conversar com ele. Ele tava apavorado, não quero saber de nada não, não precisa me contar nada não. Tá tranquilo. O Suel já falou comigo.”
Segundo Élcio, Orelha levaria o Cobalt para um desmanche.
O destino da arma usada na execução ainda é investigado pela PF.
Élcio e Ronnie foram presos e denunciados em 2019. O processo ainda não foi julgado. Maxwell também já tinha sido preso por ter ocultado provas.
Ele foi condenado e responde em liberdade. E estava em prisão domiciliar por outro caso; até a delação de Élcio.
Na última terça, a esposa de Maxwell, Aline Siqueira, foi à sede da PF para ver o marido. Na saída, falou com o repórter cinematográfico Betinho Casas Novas. E disse que Maxwell é inocente.
Aline: “No dia da Morte da Marielle ele estava comigo. E se eu soubesse que ele realmente matou, a primeira coisa que eu ia fazer era largar ele. Cara, a mulher morreu anos. Ela era o que deputada?
Repórter: Vereadora.
Aline: Quantos vereadores morreram? Quantos deputados morreram? E ninguém fez tanto o que vocês tão fazendo por Marielle.
Aline também está sendo investigada pela polícia. Uma gravação obtida com exclusividade pelo Fantástico mostra que, seis dias depois do crime, ela foi até a casa de Ronnie Lessa.
Porteiro: É dona Aline aqui na portaria. Esposa do Suel.
Aline: Eu queria conversar com a sua mãe porque eu queria pedir uma ajuda pra ela, um momento de desespero meu, por isso que eu tô pedindo se eu poderia falar com ela. Não fala pro seu pai que eu tô aqui não, só fala pra sua mãe. Pode anotar o número do meu telefone?
O Fantástico procurou Aline, mas ela não nos recebeu.
Maxwell foi transferido para uma prisão federal em Brasilia.
A advogada do casal disse que Maxwell não tem participação no crime. E que o áudio da esposa dele na portaria de Ronnie, não possui qualquer conexão com o caso. A equipe também esteve na casa de Denis Lessa, mas ele não foi localizado. Não conseguimos contato com a defesa de Edmilson Barbosa dos Santos, o “Orelha”.
A confissão de Élcio de Queiroz acontece cinco meses depois que o ministro da Justiça Flávio Dino determinou que a Polícia Federal investigasse o crime.
“Pela primeira vez há uma configuração plena da participação desses e de outros personagens nesse terrível e hediondo crime, cometido no rio de janeiro. Não há duvidas que esse terrível crime está relacionado com dois fenômenos ilegais muito presentes na cena do Rio de Janeiro. De um lado a atuação de milícias e de outro lado fatores políticos”, diz o ministro da Justiça Flávio Dino.
“Eu espero de verdade que a gente consiga vir a descobrir quem mandou matar Mari e por que. E que a gente não espere mais 5 anos”, diz Anielle.