Na onda conservadora que corrói o Brasil, o bispo Marcelo Crivella, da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), venceu o pleito para a prefeitura do Rio de Janeiro com 59,3% dos votos válidos. Um dia depois da vitória, o fundamentalista afirmou à imprensa que sua eleição significa que o carioca deseja o respeito “aos valores da família e da vida. O que o povo determinou nas urnas é que as pessoas são contra liberação das drogas, legalização do aborto e a discussão de ideologia de gênero nas escolas”. Nas redes sociais, Silas Malafaia, de outra vertente neopentecostal, soltou os rojões: “Chora, capeta! Chora Freixo”, referindo-se à derrota das esquerdas. “Cambada de esquerdopatas se ferraram, tomaram uma lavada histórica. Calados!”, completou o endemoniado.
A vitória de Marcelo Crivella, porém, apresenta uma contradição que pode agitar o cenário político no próximo período. É a maldita dialética! Por sua ligação familiar com a Iurd – que possuí um braço midiático, a Rede Record, e um braço partidário, o PRB – o bispo atraiu a fúria da famiglia Marinho e de outros barões da mídia. Duas semanas antes ao pleito, a Rede Globo – com sua tevê, rádio, jornais e revistas – disparou vários torpedos contra o candidato da emissora rival. A revista Veja reforçou a artilharia pesada, postando na capa da sua edição carioca fotos do bispo como preso comum. Mesmo discordando do “esquerdista” Marcelo Freixo, a mídia golpista optou por atacar o inimigo da Iurd.
Diante dos ataques, Marcelo Crivella decidiu enfrentar o império midiático. Ele não foi ao debate no RJTV na véspera da eleição e ainda justificou a sua recusa “em função da minha indignação com a cobertura manipuladora e tendenciosa que a Globo tem feito contra a minha candidatura. Não querem que eu entre na prefeitura porque ali tem milhões e milhões de gastos com publicidade”. Ele ainda alfinetou que a transmissão do Carnaval e várias obras no Estado, como o Museu do Amanhã, “são iniciativas da prefeitura do Rio de Janeiro e da Fundação Roberto Marinho”, que rendem fortunas. Já o PRB anunciou a abertura de um processo judicial contra a capa “criminosa” da revista Veja.
Como apontou Nelson de Sá, analista de tevê do UOL, as relações entre o prefeito eleito e a poderosa emissora, que se considera dona do Rio de Janeiro, não serão nada tranquilas. Na apuração do pleito isto ficou evidente. “A cobertura da Rede Globo não se mostrou preparada para a vitória de Crivella. Ao anunciar a pesquisa de boca de urna do Ibope, apontando o sobrinho de Edir Macedo, dono da Rede Record, como novo prefeito do Rio, não sabia o que comentar. O âncora William Bonner até postergou, ao apresentar o comentarista Heraldo Pereira: ‘Começando por Goiânia, né, Heraldo?’. Só depois Bonner permitiu: ‘Vamos para o Rio de Janeiro’. E Pereira, comentando sem comentar: ‘Os números do Rio refletem a evolução das pesquisas, o candidato Crivella à frente de Freixo'”.
Sem escarcéu, o colunista do UOL registra que a TV Globo mentiu. “Ao noticiar a pesquisa do dia anterior, o Jornal Nacional havia destacado que ‘a vantagem de Crivella vem recuando, a diferença caiu seis pontos”. Já na cobertura da apuração, no maior cinismo, ele falou que “os números refletem a evolução das pesquisas”. O âncora também questionou o resultado das urnas, enfatizando o elevado número de votos brancos e nulos. “O questionamento da legitimidade da eleição do sobrinho de Edir Macedo anuncia o que serão os próximos quatro anos, no Rio de Janeiro. Uma batalha que ganhou expressão cômica na tela da GloboNews, o canal de notícias da Globo, que começou a transmitir o discurso de vitória de Crivella sem conseguir mostrar o seu rosto”, observa o atento Nelson de Sá.
A conferir no que vai dar a batalha entre os fundamentalistas da Iurd e os mercenários da TV Globo!