O governo de Joe Biden anunciou na Organização Mundial da Saúde (OMS) que está abandonando a postura da administração de Donald Trump de vetar termos como saúde reprodutiva e direitos sexuais em programas e resoluções internacionais. O gesto representa o fim de uma aliança e da promoção de uma agenda ultraconservadora no mundo, que contava com o Brasil como um dos principais pilares.
No Itamaraty e na alas mais conservadoras de apoio do governo, a aproximação nesses temas com Trump era considerada como um dos principais movimentos da política externa do chanceler Ernesto Araújo.
Anthony Fauci, conselheiro médico da Casa Branca e falando em nome do novo governo americano, deixou claro nesta quinta-feira que a Casa Branca abandonará a agenda antiaborto e passará a defender o acesso à saúde reprodutiva para mulheres na agenda global.
Seu discurso feito nesta quinta-feira na OMS foi interpretado por diplomatas estrangeiros como uma profunda ruptura em relação ao projeto de Trump que, nas últimas semanas de seu governo, reuniu governos ultraconservadores para lançar uma ofensiva contra entidades que estabelecessem os temas em suas agendas.
Nessa ofensiva, o Brasil de Ernesto Araújo e Damares Alves eram aliados estratégicos e um bloco de cerca de 30 países foi formado, muitos deles de caráter autoritário ou populistas de extrema-direita.
O argumento do grupo liderado por Trump, Bolsonaro e Viktor Orban (Hungria) era que existiria uma manobra nas entidades internacionais para incluir termos como direito à saúde reprodutiva e sexual nos programas, o que abriria uma brecha para legitimar o aborto.
“Defesa da família” como pretexto para sufocar discussões
Na aliança, portanto, foi estabelecido que os governos reafirmariam a rejeição ao aborto e a defesa da família. Os países, ao assinarem a proposta, enfatizariam que “em nenhum caso o aborto deve ser promovido como método de planejamento familiar ” e que “quaisquer medidas ou mudanças relacionadas ao aborto dentro do sistema de saúde só podem ser determinadas em nível nacional ou local de acordo com o processo legislativo nacional”.
O temor do grupo é infundado. Em todos os textos aprovados na ONU (Organização das Nações Unidas) ou na OMS, qualquer referência a esses temas sempre vem acompanhado por um alerta de que leis nacionais devem ser respeitadas.
Em uma audiência no Senado, no dia 24 de setembro de 2020, o chanceler Ernesto Araújo confirmou que um dos objetivos do governo é de evitar que haja qualquer tipo de imposição por parte das entidades internacionais sobre qual rumo deve ser tomado no Brasil quando o debate é o aborto, o que na prática se tornava uma proibição de discussões sobre o tema.
“Nós sempre nos posicionamos para que não haja, em textos de organismos internacionais, algum tipo de direito universal como método anticonceptivo, anticoncepção ou método de controle de natalidade”, disse o ministro.