Por João Sicsú, no blog de Renato Rabelo:
O economista João Sicsú usou sua conta oficinal no Facebook para desconstruir a PEC 241. De acordo com ele, argumentos de que a Proposta é “indispensável” para “salvar a economia nacional são completamente infundados. A primeira “mentira” da PEC, como Sicsú qualifica, é de que poderá “reverter o quadro de agudo desequilíbrio fiscal” do país. Segundo o economista, o déficit público orçamentário está em um “patamar aceitável” desde 2003.
Leia na íntegra as “4 mentiras da PEC 241” por João Sicsú:
“Reverter, no horizonte de médio e longo prazo, o quadro de agudo desequilíbrio fiscal em que nos últimos anos foi colocado o Governo Federal” (do texto da PEC).
O déficit público orçamentário (ou nominal), desde 2003, sempre esteve em patamar aceitável (média do período 2003-2013 = 3%). O que houve foi um aumento preocupante desse déficit no ano de 2014 (para 6,07% do PIB). Contudo, suas causas são conhecidas: o pagamento exorbitante de juros da dívida pública devido às elevadas taxas Selic (R$ 311 bilhões), as exageradas desonerações tributárias das atividades empresariais (perda de mais de R$ 100 bilhões) e a fraca arrecadação em decorrência do baixo crescimento (aumento do PIB de apenas 0,1%).
O quadro fiscal de desequilíbrio agudo ocorreu somente no ano de 2015 quando foram adotadas medidas severas de cortes de gastos públicos (que provocaram uma grave recessão de 3,8% do PIB, com queda da receita de 3% em termos reais). Em 2015, sob uma política de austeridade fiscal conjugada com gastos descontrolados de juros referentes à dívida pública (aumento dessas despesas foi de 62% em relação à 2014 enquanto a inflação do ano foi de 10,67%), o déficit orçamentário saltou, então, para um patamar inaceitável de 10,34% do PIB.
Nossas dificuldades fiscais advêm dos exagerados pagamentos de juros da dívida pública que decorrem das elevadas taxas Selic que são praticadas pelo Banco Central. E para conter esse desperdício de recursos públicos, a PEC nada propõe. Muito pelo contrário, esse é único gasto do governo que não está limitado pelas regras da PEC 241.
Mentira 2
“Recolocar a economia em trajetória de crescimento, com geração de renda e empregos” ou “numa perspectiva social, a implementação dessa medida [a PEC 241] alavancará a capacidade da economia de gerar empregos e renda…” (do texto da PEC 241) .
Não é explicado como a economia pode crescer a partir de um freio nos gastos públicos do governo federal. O crescimento de uma economia tem que ocorrer necessariamente pelo crescimento do consumo ou do investimento privado ou das exportações (menos as importações)
ou dos gastos do governo (inclusive seus investimentos).
Qualquer desses canais pode influenciar os demais. As exportações estão se enfraquecendo porque o Banco Central está deixando o câmbio se valorizar. E a contenção de gastos públicos indicado na PEC terá efeito negativo sobre o consumo e o investimento privado. Portanto, não há nexo com a teoria econômica nem com a realidade entre a contenção de gastos públicos (proposta na PEC) e uma possível trajetória de crescimento da economia (prometida na PEC).
Mentira 3
A PEC 241 objetiva eliminar a suposta raiz do problema fiscal: “a raiz do problema fiscal do Governo Federal está no crescimento acelerado da despesa pública primária” (do texto da PEC 241).
Gastos públicos devem crescer (ou decrescer) em função da arrecadação do governo, de sua capacidade de endividamento saudável e das necessidades da sociedade.
O crescimento de gastos públicos acima ou abaixo da inflação não significa absolutamente nada. O aumento real dos gastos públicos não implica necessariamente piora dos resultados das contas públicas ou melhoria na qualidade de vida da população. Bem-estar social e organização fiscal dependem de outros fatores, por exemplo, aumento da arrecadação, crescimento populacional, despesas com o pagamento de juros da dívida pública e demandas sociais.
A raiz do déficit público brasileiro, ou seja, a sua principal causa é o pagamento de juros da dívida pública devido às altas taxas Selic praticadas pelo Banco Central. E não o excesso de gastos primários(saúde, educação etc). Nos últimos cinco anos (2011-2015), a despesa com o pagamento de juros cresceu 111,8%, enquanto a inflação do período foi de 39,4%.
Mentira 4
A PEC 241 pretende criar as condições para a redução das taxas de juros: “certamente a contenção do crescimento do gasto primário, em uma perspectiva de médio prazo, abrirá espaço para a redução das taxas de juros, seja porque a política monetária não precisará ser tão restritiva, seja porque cairá o risco de insolvência do setor público” (do texto da PEC).
Diferentemente do que é argumentado no texto da PEC, o Banco Central não alega que não reduz a taxa de juros Selic devido à política de gastos do governo federal. O argumento do BC é a necessidade do controle da inflação. É o que é dito nos documentos oficiais. Também são mentiras.
A verdade é que os juros são altos para que haja uma brutal transferência de renda de toda a sociedade (via setor público) para banqueiros e rentistas.
O outro argumento mentiroso é que a taxa de juros Selic poderá cair porque haverá redução do risco de insolvência do setor público. Entretanto, não há nenhuma relação entre taxa de juros Selic e grau de insolvência do setor público (considerando os atuais patamares da Selic).
Os credores do governo federal sabem que o risco de insolvência do setor público é desprezível, que o governo sempre honra com os seus compromissos – em detrimento inclusive de áreas sensíveis como saúde e educação.
Os credores aceitam os atuais 14% ao ano de juros como remuneração para a aquisição de mais títulos, mas aceitariam 13%, 12%, 11% etc. Nós não sabemos qual é o piso de taxa de juros capaz de rolar (ou não) a dívida pública porque nunca arriscamos conhece-lo.
Se tivéssemos realizado uma redução significativa da taxa de juros Selic, poderíamos conhecer a relação entre piso de juros e risco de carregamento de títulos públicos. Mesmo quando a presidente Dilma decidiu reduzir a taxa Selic no ano de 2012, os “gritos” não eram que títulos não seriam comprados àquela taxa devido ao risco de insolvência do setor público, mas sim que a inflação era alta e descontrolada (associado ao argumento de que “taxa de juros não se reduz por decreto”).