Tem se estabelecido uma espécie de cumplicidade, voluntária ou não, entre presidentes que assumem novos governos, e jornalistas e analistas no que se refere, principalmente, no anúncio de inovações e mudanças.
Ultimamente, um dos temas que mais tem chamado a atenção são os assuntos internacionais. Lembram-se do governo golpista de Temer quando anunciou José Serra para ministro das relações exteriores? Nem bem tomou posse já se falava numa espécie de “doutrina Serra”, que durou pouco. Mas, logo veio Aluísio Nunes, que foi também anunciado com pompas e circunstâncias e, acreditem, ele ainda é ministro, mas nem parece de tão insignificante que é sua presença.
Pois bem, as especulações sobre as perspectivas internacionais do governo Bolsonaro voltaram com uma carga maior. Seja porque agora trata-se de um presidente eleito que tem se manifestado frequentemente a respeito de relações internacionais e, mais especificamente, se articulando com o discurso e ideologias do presidente Trump.
Nem bem tomou posse e já está envolvido numa série de polêmicas (reconhecimento da capital de Jerusalém como capital de Israel, Acordo de Paris, Mercosul e etc) que tendem a aumentar a partir da escolha do ministro das Relações Exteriores Ernesto de Araújo. O fato de ter sido indicado pelo blogueiro Olavo de Carvalho já diz muito sobre os critérios que pesaram na escolha.
Assim como em outros casos um dos primeiros equívocos que cometem, jornalistas e analistas, mas que rendem muitos likes, é tomar as palavras como fatos que se realizarão como se a política fosse, única e exclusivamente, consequência de intenções e vontades.
Se essa abordagem é equivocada em qualquer que seja a dimensão da política a que estamos nos referindo quanto mais não o seja em Política Internacional, onde os constrangimentos são intensos e as variáveis que pesam nas decisões são extremamente complexas.
O blog do futuro chanceler Ernesto de Araújo tem se tornado um dos mais acessados nos últimos dias em busca de possíveis critérios que pautarão suas ações. Vou me referir a algumas delas que, eventualmente, poderiam ser uma referência para ações mais “concretas”.
Em outras palavras, o Brasil vai pegar carona no presidente da grande potência. Por incrível que pareça, e dando toda a credibilidade as palavras e intenções dos novos governantes, essa é a única pista de um certo pragmatismo na Politica Externa que se avizinha.
Para isso vou me basear no resumo do artigo, elaborado pelo próprio autor, Ernesto de Araujo, “Trump e o Ocidente”, publicado no Cadernos do Ipri ( vinculado ao MRE):
Creio que não tenho a mínima competência para avaliar os anseios de Deus, nem muito menos o trajeto de “Ésquilo a Oswald Spengler” (455 A.C. a 1880), mas creio que seu colega de pasta, Paulo Guedes, não concordaria com uma parte de sua afirmação – a que se refere ao capitalismo – de que “Donald Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal”.
Com a maior boa vontade tentarei entender que, o que o futuro ministro quis dizer é que os EUA estão abandonando a herança do internacionalismo liberal, iniciado por Woodrow Wilson após a primeira guerra mundial. Ou seja, o governo dos EUA deveria se retirar de seus compromissos externos, abandonar seus aliados e tratados, e buscar uma política de nacionalismo econômico.
Como o Brasil de Bolsonaro quer “colar” no governo de Trump, passo agora a fazer algumas considerações sobre a experiência desses quase dois anos de sua política externa, avaliando se realmente esse abandono do internacionalismo está se realizando. Importante notar que mesmo críticos de Trump ecoam seus feitos no sentido da dar validade aos seus discursos e bravatas como se fossem fatos.
É preciso reconhecer que Trump, realmente representa milhões de pessoas que desejavam mudanças, mas será que o presidente e sua equipe poderão provocar mudanças estruturais na política externa? A política externa, mais do que quaisquer outros setores, tem seus pesos e contrapesos, é complexa e de difícil implementação, já que se pauta por orientações políticas profundamente arraigadas.
Ou seja, apesar de os políticos que exercem influência sobre a política externa terem uma ampla gama de preferências políticas heterogêneas, estão presos a redes institucionais que, de certo modo, são poderosas ferramentas para resistir a mudanças abruptas e profundas.
O congresso, agora controlado pelos democratas, acha que é de seu próprio interesse manter muitos elementos existentes da política externa dos EUA – que continuarão a ter componentes internacionalistas liberais substanciais.
Além disso, boa parte dos policymakers, incluindo setores dos republicanos, apesar de certas restrições aos governos democratas, avaliam que o internacionalismo liberal ainda é o melhor guia para promover os interesses nacionais dos EUA.
Os acordos de comércio e investimento que os EUA negociaram, ao longo de décadas, os compromissos assumidos com a OMC ajudaram a economia americana possa prosperar; as instituições internacionais que os EUA criaram após a Segunda Guerra Mundial, como a ONU, FMI e o Banco Mundial, ainda permitem influenciar – embora não mais determinar – a estrutura de todas as relações econômicas e políticas no mundo de hoje.
É possível renegociá-los e até mesmo restringir o alcance dessas instituições, mas o abandono dessas instituições resultará, inevitavelmente, em diminuição de liderança nos assuntos mundiais com consequências extremamente onerosas para boa parte de sua elite (econômica, militar e política).
É possível que o papel dos EUA no mundo passe por mudanças e flutuações em várias frentes nas direções prometidas, mas não é possível negligenciar as estruturas globais e domésticas que foram construídas ao longo de um século e que ligam os EUA ao resto do mundo. A política norte-americana pode oscilar, mas parece improvável que o governo americano vá abandonar o internacionalismo liberal em larga escala.
Talvez o acordo de Donald Trump com a Carrier seja um modelo das ações e estilo desse governo. Trump acusou a empresa, que faz parte dos subsetores industriais mais vulneráveis à concorrência de países com mão de obra barata e tinha planejado transferir sua produção para o México para economizar custos de mão de obra, de traição e a “convenceu” a permanecer nos EUA.
Foram cerca de 800 empregos em um país de 145 milhões de trabalhadores, mas conseguiu uma cobertura positiva na TV e serviu para reforçar a ideologia do globalismo, mas isso está longe de ser uma negação da globalização.
Se uma grande potencia como os EUA apresenta limitações estruturais consideráveis que podem frear arroubos em política externa, o que poderíamos dizer do Brasil, mesmo que, eventualmente, o futuro ministro das relações exteriores tenha razão quando diz que se trata do “anseio de Deus”. Infelizmente, nesse caso Deus, com o perdão da palavra, será contrariado.