Por Mouzar Benedito, na revista Fórum:
Mais uma vez querem (e acho que vão) mexer com os direitos dos trabalhadores, para piorar, claro. Esses bandidos (nós) que trabalharam dezenas de anos pagando para se aposentar e ter na velhice um pouco do que os italianos chamam de “ócio com dignidade”, são responsáveis pela pindaíba em que o Brasil está ou – como preveem – vai ficar. Esses velhinhos e essas velhinhas que você vê “vagabundando” por aí, não se iludam, são inimigos do Brasil. Eles são os responsáveis pelo caos que o Brasil tende a se tornar. Pelo menos é o que propagandeiam os pretensos reformadores da Previdência e de toda a legislação trabalhista, se possível.
Fernando Henrique Cardoso, quando era presidente da República, propôs uma reforma da Previdência em que uma das metas era acabar com o que considerava aposentadorias precoces.Chamou de vagabundas as pessoas que se aposentaram com pouco mais de cinquenta anos de idade.
Uma grande safadeza dele, pois desde mais novo, ele mesmo recebia aposentadoria de professor da USP. Foi aposentado compulsoriamente, pelos militares, mas recebia uma aposentadoria bem gorda em comparação com os aposentados do INSS. E ele tinha uma vida econômica ativa e bem paga, não precisava de aposentadoria. E vá se ver quanto ele ganha hoje, só de aposentadorias (não é como nós que temos uma só, magrelinha, do INSS). O valor atualizado de sua aposentadoria é de R$22,1 mil mensais.
Além disso, na época (como hoje), havia uma grande massa de desempregados, e alguém que perdesse o emprego com quarenta anos ou mais de idade, estava (e está) ferrado.Mas ele conseguiu emplacar, entre outras coisas, o famigerado “fator previdenciário”, um grande redutor do valor do “benefício” de quem se aposenta.
Mas voltemos aos “vagabundos” do conceito dele. Um desempregado com cinquenta anos de idade não arrumava emprego de jeito nenhum. E aí, o que devia fazer? Morrer de fome?
Além disso, muitos dos trabalhadores que recebem uma miséria quando se aposentam, mesmo não tendo sessenta anos de idade, começaram a trabalhar com quinze ou dezesseis anos, então podem ter trabalhado uns 45 anos para depois se aposentar. Ganhando uma miséria, relembro.
Enquanto isso, ricos que só começam a trabalhar depois de se formar na faculdade ou até depois de fazer pós-graduação, chegam à idade de se aposentar com muito menos anos de trabalho, e ganhando muito mais. E geralmente tiveram vidas mais ricas, com mais saúde, cuidados, assistência, e poderão viver muito mais tempo.
Para quem começou a trabalhar com trinta anos de idade e sempre teve e terá cuidados de saúde ($$$) para lá de excelentes, aposentar-se aos 65 anos é moleza. Vai viver muitos anos ainda, e ganhando bem mais do que os proletas que nasceram e viveram muito tempo em condições precárias e têm perspectiva de vida muito menores.
Depois veio Lula e fez uma reforma da Previdência que contrariava tudo o que o PT sempre defendeu. Alguns parlamentares petistas se opuseram a ela e foram expulsos do partido, o que deu origem ao PSOL.
Na sua justificativa, Lula disse que dali em diante, as pessoas podiam se aposentar com dez salários mínimos, R$ 3.800,00, quando o salário mínimo era de R$ 380,00.
Não era verdade.
Primeiro, porque ele manteve o desgraçado do “fator previdenciário” criado por FHC. Ninguém consegue receber o valor integral. Quem contribui com cinco salários mínimos, por exemplo, com o fatídico “fator previdenciário” acaba recebendo “benefício” de no máximo quatro.
Aí vêm as correções anuais dos “benefícios”,sempre abaixo da correção do salário mínimo. Assim, esse exemplo de quem pagava contribuições sobre cinco salários mínimos e se aposentou com quatro, em poucos anos estará ganhando no máximo dois.
Com essas correções, o próprio teto de “dez salários mínimos”, hoje não chega a seis. Enquanto isso, os preços dos planos de saúde, especialmente para velhos, sobe muito acima da inflação, na idade em que mais se precisa de serviços médicos.
Entra governo e sai governo, a justificativa é a mesma, agora citada em tons terroristas: “a Previdência vai falir o Brasil. Ela é altamente deficitária e insustentável”. Quer dizer, o Brasil vai falir e os culpados são esses miseráveis que trabalharam trinta e cinco anos ou mais pagando para agora receberem uma aposentadoria “enorme”. Uns vagabundos, como diria FHC. E no conceito de Michel Temer, “inimigos do Brasil”.
Ora, para começar, lembro que quando o baiano Waldir Pires foi ministro da Previdência (escolhido por Tancredo, que morreu antes de assumir a Presidência, ficou no governo Sarney), ele começou a cobrar das empresas o que elas deviam e não pagavam. E a Previdência passou a ter superávit.
Afora isso, é preciso considerar que Previdência é uma coisa e assistência social é outra. Com o que os trabalhadores pagam, a Previdência recebe mais do que gasta. Mas incluem na conta da Presidência a aposentadoria rural, de pessoas que não contribuíram. Essas pessoas não têm culpa por não terem pago e é louvável conceder uma aposentadoria a eles. Mas não se pode incluir essa despesa na conta da Previdência.É outra coisa. É uma grana que deve sair outra fonte, de uma outra reserva, de assistência social.
Um parêntese aí: já tiraram dinheiro da Previdência para tudo quanto é coisa. Até para a construção da hidrelétrica de Itaipu.
O que acho interessante nisso tudo é que essas pessoas que sempre chia quando se paga a trabalhadores o que eles têm que receber, inclusive depois de aposentados, não são bons exemplos a seguir.
É um pessoal que acha que salário mínimo perto de R$ 900,00 é demais, mas não imaginam a possibilidade de viver ganhando menos de umas vinte vezes mais do que isso. Tem quem gaste mais dois mil reais num jantar e, quando têm que pagar um salário mínimo a uma empregada doméstica que trabalha o mês inteiro para ele, acha que está sendo explorado. Ela ganha o que ele paga numa garrafa de vinho.
E a aposentadoria desses reformadores da previdência dos outros, como é? Vai ver quanto ganham. Isso mesmo: quanto ganham como aposentados, apesar de continuarem recebendo também salários bem gordos como políticos.
Quem diz isso? Um esquerdista fanático?
Bom… Será que podemos dizer isso de Elio Gaspari?
Pois é ele quem publicou na sua coluna, na Folha de São Paulo, no dia 9 de outubro, umas considerações sobre o “triunvirato que comanda as discussões para a reforma da Previdência” e defendem a idade mínima de 65 anos para se aposentar (com o miserê do INSS, lembro).
Michel Temer, segundo Gaspari, aposentou-se aos 55 anos, em 1996, e em maio deste ano recebia R$ 30.613, como procurador inativo do governo de São Paulo, e como presidente da República recebe R$ 27.841,00.
Geddel Vieira Lima aposentou-se com 51 anos de idade, em 2011, recebe R$ 20.354,00 como inativo e mais R$ 30.934,00 como ministro. Portanto, mais de 51 mil por mês!
Eliseu Padilha aposentou-se aos 53 anos e recebe “apenas” R$ 19.389,00 mensais.
Então… Eles têm moral para cobrar dos outros aposentadoria só depois de 65 anos de idade, e podem falar do alto custo da Previdência?
Para que os que falam merecesse crédito, deviam devolver tudo o que receberam até completar a idade que propõem para os outros terem direito de se aposentar. E depois disso, devolver também o que ultrapassa o teto do INSS, que é de R$ 5.189,00. Ou menos, pois têm aí o fator previdenciário, não é?