Ligar a televisão e ver um negro aparecer com frequência em um telejornal há alguns anos era algo utópico. E quando se fala em alguns anos, é no sentido curto do termo: o maior telejornal do país só foi ter um negro em sua banca 33 anos após a sua 1ª exibição, com Heraldo Pereira assumindo a bancada do Jornal Nacional.
Os tempos aparentemente mudaram e, pelo menos no jornalismo local, o público da cidade mais negra fora da África já consegue reconhecer um dos seus ao ligar a televisão e dar de cara com um profissional negro passando a informação, e não obrigatoriamente fazendo parte de uma estatística dolorosa.
Este é o caso do recém chegado Felipe Oliveira, repórter da TV Bahia, que emocionou os seguidores ao compartilhar com o público as mensagens de apoio que recebe ao ostentar seu black power no “horário nobre” dos baianos.
Ao completar 1 mês na emissora, o jornalista, que já teve passagem pela Band Bahia, celebrou ser mais um dos rostos que inspiram jovens negros a seguirem seus sonhos.
“Aproveitando que estou completando um mês na frente das câmeras da TV Bahia para compartilhar esses registros de amor e incentivo. Impressionado com a quantidade de pessoas que se identificaram e agora se sentem representadas! É bom demais saber que a caminhada é coletiva. É sobre ocupar espaços, é sobre representatividade, é sobre mostrar que podemos”, escreveu o jornalista em sua rede social.
A tecla 11 tem em seu quadro Vanderson Nascimento, Camila Oliveira, Luana Assiz, Phael Fernandes, Muller Nunes, Pablo Vasconcelos, Aldri Anunciação, Georgina Maynart, Lucas Almeida e Luana Souza. Apesar de só ter tido uma bancada totalmente negra no Bahia Meio Dia 24 anos após o lançamento do jornal.
E um outro questionamento foi levantado no mês passado: se nas telas o espaço aumentou, não quer dizer que fora delas está tudo perfeito. Em outubro, o jornalista Hildázio Santana, que atuava como coordenador de esportes da TV Bahia, acusou a emissora de demiti-lo após uma injusta acusação de furto (entenda aqui). Após a situação, Hildário decidiu entrar com uma representação no Ministério Público por racismo contra Eurico Meira, diretor de jornalismo da emissora, além de uma ação por calúnia e difamação (veja aqui).
Mas além do que acontece na filiada da Globo, a força da representatividade também tem mais espaço nos outros canais abertos da capital baiana, em que jornalistas negros passaram a ganhar destaque na programação, como Henrique Oliveira, Naiara Oliveira, Vanessa Fonseca e Tarsilla Alvarindo na TV Itapoan.
Nomes como Priscilla Pires, Alex Lopes, Livia Calmon e Lise Oliveira são alguns dos representantes da TV Aratu. A Band Bahia conta com Emanuele Pereira e a TVE Bahia com Raoni Oliveira.
A diversidade da Itapoan, por exemplo, foi comemorada por Alvarindo em suas redes sociais. “Um momento histórico desse merece feed. Uma @recordtvitapoan diversa, inclusiva, com a cara de Salvador, a cara da Bahia! Parabéns a todos os envolvidos! Que a gente siga conquistando espaços e reafirmando toda nossa competência. É de uma felicidade imensa participar desse momento”.
Ao Bahia Notícias, Tarsilla comemorou o avanço que foi visto nos últimos anos, principalmente com mais mulheres negras ganhando espaço nas telinhas. Mas reforça: ainda precisamos avançar muito. “Infelizmente, apesar de termos mais visibilidade, o acesso aos espaços de poder ainda é muito baixo em diversas profissões. Se você olhar o mapa de profissões, se repete em várias delas, desde o jornalismo ao Judiciário. Principalmente na Bahia, que é majoritariamente negra, mas não é refletida nos espaços de poder, na política, na advocacia, e em diversos outros espaços majoritariamente brancos. Infelizmente é o retrato que temos no país”, avaliou. “Esses avanços chegam muito por conta desse acesso à universidade, às políticas de cotas, que favoreceram muito pra ocuparmos alguns espaços. É uma reparação histórica”, completou.
Apesar da mudança a olho nu, os números que vão mais a fundo mostram um cenário de disparidade na equidade racial no jornalismo. De acordo com o levantamento divulgado pelo Perfil Racial da Imprensa Brasileira, no país, apenas 20,10% dos jornalistas são negros. Foram entrevistados 202 profissionais para a pesquisa.
O documento, apresentado durante o X Seminário Internacional Diálogos Antirracistas, que faz parte da programação da Semana da Consciência 2021 da Universidade Zumbi dos Palmares, mostra que o número é quase dois terços menor do que a população declarada negra no país, 56,20%, de acordo com a última projeção feita pela PNAD/IBGE em 2019.
O levantamento coloca a Bahia em 5º lugar onde mais se emprega negros no jornalismo, com apenas 4%, enquanto São Paulo domina o ranking com 44,1%.
Dos profissionais empregados, 38,6% assumem cargos gerenciais e 61,4% estão em cargos operacionais, sendo grande parte deles trabalhando como repórter ou apresentador