Dona Ruth se formou aos 75 anos. Aluna do curso de Pedagogia, na Unime, em Lauro de Freitas: ‘Via como um grande desafio, aí chegou a coragem junto com o desejo de realizar um sonho’, diz
Nos corredores da Faculdade Unime, em Lauro de Freitas, volta e meia perguntam à dona Ruth: “Está esperando alguém?”. Normalmente, se surpreendem quando ela conta que é aluna do curso de Pedagogia. O fato de, com a idade avançada, estar cursando uma faculdade acaba estimulando os colegas. “Ouço muita gente dizer: ‘a senhora está me colocando no chinelo. Quase desisti da faculdade, mas depois do seu exemplo vou continuar a estudar’. Isso me deixa lisonjeada”, diz dona Ruth Querino, 75 anos.
Se por um lado o exemplo dela serve de estímulo aos colegas, por outro, a estudante também acaba ganhando forças para seguir adiante e reforça, no dia a dia, a certeza de que está no caminho certo. “É difícil, né? O organismo não é mais aquele de antes, mas sempre Deus restaura minhas forças e eu estou lá participando, disposta, sem cochilar. Os colegas dizem que nem parece que tenho essa idade”, conta dona Ruth, que mora em Stella Maris, em Salvador, e tem aulas diariamente, de segunda a sexta, das 19h às 22h30, em Lauro de Freitas. Como a filha estuda na mesma faculdade, as duas vão e voltam juntas.
Na juventude, ela concluiu o curso de Magistério e trabalhou durante 30 anos como professora das redes municipal e estadual, em Salvador. Desde que ingressou na faculdade, em 2013, ela é a vovó da sala. “Sou a mais velha da instituição. Meus colegas são todos de 37 anos para baixo”, conta dona Ruth, que está aposentada há 15 anos. É justamente o peso da idade que faz com que ela queira servir de exemplo em sala de aula.
“Desde quando cheguei sempre quis me manter distante, mostrando que estava ali para estudar, não mais como aquela estudante sapeca e travessa. Sou CDF, só sento na frente”, diz. Mas isso não impede que haja intimidade com os colegas, que a tratam sempre de forma carinhosa. “Ele me dão muita atenção, me abraçam, me beijam. Se eu precisar de uma cadeira, nunca levanto para pegar porque vai ter quem pegue para mim”, diz, orgulhosa.
A diferença de idade impõe respeito. Por mais que ela preferisse ser chamada apenas de Ruth, não teve jeito. O dona vem sempre na frente do nome. “Quando chamam de Dona Ruth eu acho que é uma barreira”, conta a professora, destacando que desde jovem tinha vontade, mas faltou oportunidade de fazer uma faculdade.
“Jovem a gente estuda, forma e tem também o sonhado casamento. Fui mãe oito vezes, buscava tempo e não encontrava. Estudo depende de disponibilidade, de se dedicar por inteiro, sem ter que se preocupar com outra coisa”, avalia ela, que além dos oito filhos, possui oito netos e quatro bisnetos. A família também pesou na decisão de adiar o ingresso na graduação. “Ela precisa de nós, não só da assistência, mas também financeiramente. Me dediquei a família, atingi essa meta, hoje já estou com todos os filhos criados, sou avó, bisavó, já estava na hora”, comenta, acrescentando que a faculdade causou ciúmes até no marido. “Mas ele foi se conformando. Fica orgulhoso de ouvir o elogio dos filhos e de ver o meu esforço”.
Dona Ruth ingressou na faculdade em 2013 e não vê a hora de concluir o curso. “Via como um grande desafio, aí chegou a coragem junto com o desejo de realizar um sonho que se mantinha vivo. Me achava um pouco frustrada”, conta. Agora, a contagem regressiva é para ter o diploma em suas mãos. Onde vai guardá-lo, ela ainda não definiu. “Sou antiga, do tempo que se colocava o diploma em uma moldura e pendurava na sala, mas não vou fazer isso, vou guardar junto com o dos cursos de magistério e de datilografia, com carinho, em meu coração”.
Quem pensa que com o diploma na mão ela vai se aquietar, está enganando. Inquieta, dona Ruth já planeja os próximos passos. “Realizei um sonho, alcancei uma meta, agora quero fazer especialização em Libra”, planeja. Apesar da aposentadoria, ela também não descarta a possibilidade de voltar ao mercado de trabalho. “Me dediquei para ter conhecimento e conteúdo. Se tiver uma oportunidade, estou preparada”, anuncia.
Dona Ruth e as colegas
Fonte: Correio da Bahia