Paulo Maluf: Não, eu sou engenheiro.
Há dois anos, Maluf renegava sua condição de político em entrevista à Folha. Logo ele, um homem que infesta a política nacional desde o período jurássico. Viu sua fortuna crescer durante a ditadura militar, foi prefeito biônico da capital paulista e, após a redemocratização, se elegeu trocentas vezes para prefeito e governador em terras bandeirantes. Apesar de jurar não ser político, Paulo Maluf é o pai do malufismo – uma corrente político-filosófica conservadora que trouxe sua experiência na iniciativa privada para a vida pública e cunhou máximas gloriosas como “rouba, mas faz” e “estupra, mas não mata”.
Quando vi Bruno Covas, eleito vice-prefeito de São Paulo, comemorando a vitória ao lado de João Doria Júnior, tentei imaginar o que pensaria o avô ao vê-lo numa chapa que renega a política de uma forma ainda mais acintosa que Maluf, seu histórico rival. Covas, também engenheiro, talvez tenha sido o último sopro de social democracia do partido social-democrata e jamais demonizou a política. Arrisco dizer que ele repudiaria com vigor um candidato cuja principal marca de campanha foi a exaltação da sua carreira empresarial.
Doria está muito mais próximo do malufismo do que da social-democracia de Covas. Em um post de desabafo no Facebook, um ex-assessor seu afirma que Mário Covas não engolia o então secretário da Paulistur:
“Vomito quando vejo Dória falando de Mário Covas, que não o digeria. Mário entrava na sala de João, no Anhembi, batendo cinzas de cigarro no chão, por não aturar o executivo imposto pelo grande governador Franco Montoro. Covas não o suportava, e ele vem dizer que era amigo e que muito aprendeu com Covas.”
Alberto Goldman, vice-presidente nacional da legenda que elegeu Júnior, concorda. Às vésperas da eleição, escreveu um alerta sobre o candidato do seu próprio partido.
“Dória diz não ser político, mas administrador, empresário. Não é verdade. Ele mesmo se vangloria em ter sido presidente da Paulistur, no governo Mário Covas, e presidente da Embratur, no governo José Sarney, ambas empresas estatais da área do Turismo. Seu material de propaganda divulga que foi coordenador da campanha “Diretas Já”, o que também não é verdade. Exerceu cargos políticos, remunerados, profissionalmente. Agora é candidato a prefeito. (…) É um cidadão totalmente desprovido de escrúpulos, teve sua vitória nas prévias pelo abuso do poder econômico que tem e, infelizmente, pela ação do governo do Estado. É uma desgraça para o partido que desejo ardentemente salvar.”
As declarações de Goldman devem ser vistas com ressalvas, já que partem de um desafeto de dentro do partido, mas os fatos elencados são sérios e sinto que há uma genuína preocupação com os rumos que Júnior pode dar ao PSDB. Não seria à toa.
Um perfil escrito por Juliana Dualibi para a Revista Piauí traz à tona os bastidores da briga interna tucana e a politicagem pesada que Doria Jr empreendeu para atingir seus objetivos. O modus operandi que o alçou à condição de candidato tucano é de invejar até mesmo o seu aliado Maluf. Ninguém venceria Matarazzo, Serra e FHC no PSDB só com gestão e eficiência, mas com política pesada. O novo prefeito de São Paulo pavimentou toda sua carreira empresarial sempre estando muito perto de políticos e administrações públicas – o que sempre gerou grandes oportunidades para seus negócios. A Lide, sua empresa de eventos, não produz bens nem serviços significantes, apenas estabelece e fortalece a relação de empresários com políticos e gestores públicos – o famoso lobby.
Desfilar com elegância entre o público e o privado sempre foi uma característica desse businessman, mas algumas escorregadas éticas rolaram: desde desvios de verbas em cargos públicos que ocupou até a uma invasão (que o Estadão chamou carinhosamente de “incorporação”) de terras públicas para construir uma mansão. Nos últimos 10 anos, Doria recebeu de diferentes governos um total de R$10,6 milhões. Em média, R$1 milhão por ano. Nada mal para quem prega alucinadamente cortes de gastos públicos, não?
Estado mínimo, meu milhão primeiro. E as mamadas eram apartidárias: Júnior conseguiuverba tanto da Petrobrás, comandada pelo PT, quanto de Alckmin, que decidiu fazerpublicidade do governo de São Paulo em revistas que ninguém lê, como a Caviar LifeStyle da Editora Doria.
Em sua primeira entrevista como prefeito eleito, Júnior baixou uma ordem ao vivo para futuros secretários e colaboradores que ainda nem foram escolhidos: todos serão obrigados a assistir ao Bom Dia Brasil todos os dias, porque, segundo ele, o jornal “reflete o sentimento da cidade”. Na administração dele, a Globo ficará encarregada de fazer a editoria do “sentimento da cidade”. Talvez seja o caso de terceirizar a comunicação municipal para a nobre emissora logo de uma vez.
Mal foi eleito,Júnior já demonstrou grande eficiência no descumprimento de promessas. Na última segunda-feira ele prometeu congelar o valor do IPTU:
Três dias depois, o gestor voltou atrás.
Outra figura que inspira Junior é Donald Trump, a quem considera – percebam o deslumbre! – “um homem rico, famoso, poderoso e muito, muito invejado”. A comparação é óbvia, a trajetória de ambos é quase idêntica. O discurso político também. A diferença é que Junior parece que foi mais bem educado pela mamãe e apresenta uma imagem mais polida.
O mantra “não sou político, sou um administrador, sou empresário, sou gestor” foi repetido exaustivamente durante a campanha, numa tentativa oportunista de ocupar o vácuo deixadopelo cansaço da população com a política. Implantar exatamente os mesmos métodos da gestão privada na pública não é apenas estupidez inofensiva, mas uma ideia perigosa que não contribui em nada para o fortalecimento das instituições democráticas. Não é demonizando a política que a corrupção será superada. A política é, essencialmente, disputa e acomodação de ideias e interesses. Um prefeito não pode pretender ser o CEO ou o diretor-executivo de uma cidade. Ainda mais um que se elegeu numa coligação com 13 partidos – um terço de todos os partidos existentes no país – e será obrigado abarcar interesses diversos. Mesmo com tantas siglas coligadas, Júnior garante que não fará partilha de cargos – o que me faz ter certeza de que ele é mentiroso ou mágico.
Pelo histórico, a tendência é São Paulo acelerar, mas acelerar com a ré engatada. Doria é um rico excêntrico, uma espécie de híbrido político que mistura o que há de pior na política e na iniciativa privada. Me parece que o paulistano pretendeu renovar o cenário político, mas escolheu alguém que sintetiza as mais caquéticas e condenáveis práticas. Junior tem a inescrupulosidade de Donald Trump, a superficialidade de Chiquinho Scarpa e a esperteza de Paulo Maluf. Sabe aquele papo de “você compraria um carro usado de fulano?”. O paulistano resolveu comprar um carro usado de Doria. Resta saber quando descobrirá que a Ferrari veio num chassi de Fusca. Acelera, São Paulo!