Duas tempestades estão se armando no horizonte político do Brasil neste exato momento, e vão desabar nos próximos dias. Juntas, elas têm força para colocar o governo e os conservadores na defensiva, e varrer o ar pesado dos retrocessos, que contamina o ambiente do país há onze meses. Mas sua potência pode ser desperdiçada, porque a esquerda – e também os chamados “novos movimentos” – permanecem perplexos, sem narrativa e sem propostas para sair da crise.
A primeira tempestade é a nova “lista de Janot”, que o Procurador Geral da República publicará a qualquer momento. Ela é fruto da Lava Jato e das delações dos executivos da Odebrecht. Apesar dos partidarismos da operação, que em sua fase inicial perseguiu apenas políticos de esquerda, dessa vez não será possível tapar o sol com a peneira. O sistema político brasileiro – este mesmo que avança sobre os direitos sociais – está podre. 78 dirigentes da maior empreiteira do país prestaram 950 depoimentos. Contaram, segundo O Globo, que pelo 170 deputados, senadores e governadores receberam dinheiro em troca de favores à mega-construtora.
Não se sabe ainda quais serão denunciados por Rodrigo Janot, mas tudo indica que será impossível omitir o núcleo duro do governo Temer e os cacique do PSDB. Gente como Aécio Neves, que a Odebrecht alcunhou de “Mineirinho”; o ministro Eliseu Padilha (o “Primo”), o senador José Serra (o “Careca”), Geddel Vieira Lima (o “Babel”), Geraldo Alckmin (o “Santo”). O próprio Temer foi citado 43 vezes nas delações mas não é presença certa na lista, porque a Constituição não permite processar o presidente por crimes cometidos antes de seu mandato.
A chegada da tempestade já colocou Brasília à beira de um ataque de nervos. Há alvoroço. Multiplicam-se as reuniões. Temer e o ministro Gilmar Mendes, do STF encontraram-se secretamente no domingo, relata “O Estado de S.Paulo”. Horas antes, no mesmo domingo, Gilmar havia almoçado com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para discutir uma mudança de emergência no sistema eleitoral. Sob pressão intensa, talvez a casta política tente prometer que se auto-reformará. Alguém acredita?
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A segunda tempestade é a mobilização popular. Estão crescendo, em todo o país, os sinais de que serão muito intensos, nesta quarta-feira, as greves e protestos contra o desmonte da Previdência e a lei que permite a terceirização selvagem do trabalho. A mídia esconde ou distorce abertamente os fatos. Nesta matéria da Folha de S.Paulo, a provável greve dos metroviários e condutores de ônibus é tratada como “transtorno”.
Mas tudo indica que, pela primeira vez em onze meses, os movimentos sociais conseguiram fôlego para expor as consequências da agenda de retrocessos do governo. Pode ocorrer amanhã a maior mobilização de trabalhadores dos últimos anos. Categorias como os professores, os operadores dos transportes públicos e os bancários prometem parar. Os sem-teto, os sem-terra e outros movimentos prometem se somar aos protestos, que ocorrerão em dezenas de cidades.
O desconforto vai muito além dos sindicatos. Está se espalhando rapidamente a compreensão de que a chamada “reforma” da Previdência é um ataque aos direitos da maioria – e em especial, dos mais pobres — em favor do sistema financeiro. Os deputados sentem-se pressionados. Se a votação fosse hoje, o governo provavelmente sofreria uma derrota dramática.
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Qual a legitimidade do atual sistema político? Um Congresso em que centenas de deputados e senadores estão gravemente implicados em denúncias de recebimento de propina pode investir contra os direitos da maioria? Não é hora de exigir uma reforma política profunda, de interromper a agenda de retrocessos, de reabrir o debate sobre o futuro do país?
Infelizmente, esta pauta ainda não é abraçada por quem poderia sustentá-la. A esquerda histórica continua capturada pela institucionalidade. Teme questionar um sistema político onde também encontra espaço e abrigo. Sonha com 2018. Já os chamados “novos movimentos”, que se consideram herdeiros de junho de 2013, parecem se satisfazer com a condição cômoda de críticos de tudo, eternamente reativos, sem assumir a responsabilidade de apresentar alternativas.
Ainda é tempo de rever estas posturas, mas é preciso agir rápido. A História ensina: é em vácuos como este, quando cresce o sentimento de injustiça e ninguém oferece uma saída, que germinam o rancor e o autoritarismo radical.