Por Tereza Cruvinel, em seublog:
Costuma-se dizer que ninguém no Congresso é bobo. Bobos não chegam àquela casa. Loucos, e muito menos bobos, também não chegam ao Supremo, o que atiça a busca de explicações para o que se está passando atrás daquelas vidraças e cortinas. Depois da liminar do ministro Marco Aurélio (parcialmente derrubada) afastando Renan Calheiros da presidência do Senado, o que teria levado o ministro Luiz Fux ao desatino de mandar a Câmara votar de novo as dez medidas contra a corrupção? Muitos no Congresso acham, como a senadora Vanessa Grazziotin disse, com todas as letras, em sua entrevista à TV247, que estabeleceu-se também entre aquelas estrelas togadas uma acirrada disputa política.
Marco Aurélio foi derrotado, na medida em que Renan, embora afastado da linha sucessória, preservou a cadeira de presidente. Mas sabe que, para a posteridade, foi ele que “ficou bem na foto”, como disse. Não por ter “feito média” com os que, no domingo anterior, pediram a cabeça de Renan, mas por ter feito a interpretação ortodoxa da Constituição, que depois o plenário “flexibilizou” em nome das governabilidade e do ajuste fiscal.
Fux faz o inverso. Qualquer estudante de direito sabe que sua liminar afronta o princípio basilar da separação dos poderes e das prerrogativas de cada um deles. Fux sabe que, no exercício de sua função de legislar, o Congresso é soberano para modificar qualquer proposição, venha ela de onde vier: do Executivo, de um parlamentar, de um partido ou diretamente de segmentos da população, através de projetos de iniciativa popular. Não é por ter recebido dois milhões de assinaturas de apoio (neste país de 200 milhões de habitantes) que a proposição do Ministério Público ganhou o status de “imexível”. Um exemplo recente é a lei da ficha limpa, também oriunda da iniciativa popular mas alterada pelo Congresso.
Quando compra esta briga com a Câmara, invadindo suas competências, Fux se alinha com o Ministério Público e a força-tarefa da Lava Jato que tudo fez para emparedar a Câmara naquela votação. As medidas sofreram mesmo grandes alterações. Foram rejeitadas aquelas mais perigosas para a vida em democracia, como a criação da figura do “reportante do bem”, o dedo duro incentivado, ou a flexibilização do habeas corpus. Foi tipificada o crime de abuso de poder, que não constava do original. Mas esta é a Câmara que temos, e se não gostamos, devemos esperar por uma nova eleição e cada um que procure escolher representante melhor. O sistema político não prevê a dissolução da Câmara por iniciativa do nenhum poder.
Imediatamente, veio a reação do outro polo político do STF, o ministro Gilmar Mendes, que qualificou a liminar de Fux como o “AI-5 do Judiciário”. Gilmar está doutrinariamente certo, mas não é segredo para ninguém que está empenhado em colaborar com o esforço de blindagem do atual governo e de seu bloco político-partidário aliado. Tanto quanto Fux, tem lado.
As divisões no STF expressam a disputa entre projetos para o país, que levou ao golpe contra Dilma, e também as contradições que vêm surgindo dentro do próprio condomínio golpista, que se expressam principalmente entre os partidos: de um lado, PSDB/DEM, de outro, o Centrão.
Mas certamente contribuiu para o aumento das rivalidades internas aquele velho fator humano, a vaidade. Desde o julgamento da ação penal 470, quando sessões do STF passaram a ser transmitidas ao vivo pela TV Justiça e outros canais, o protagonismo de alguns ministros exacerbou-se. E com o agravamento da crise, ali também começou-se a fazer política.
O que se passa no STF, longe de contribuir para a distensão, leva água para o moinho da crise. Felizmente, por conta do início do recesso, a Câmara não precisará “desobedecer” uma liminar do STF, como fez Renan. Mas deve mesmo cobrar, como farão Maia e Renan, uma rápida manifestação do plenário sobre a liminar de Fux.
Uma proposta que ganha reforço, com a liminar de Fux, é a de tipificar o crime de “usurpação de competências”. Congressistas entendem que o STF e o TSE vem avançando com velocidade sobre a linha divisória que reserva ao Congresso a prerrogativa de legislar. A proposta está para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça.