Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
O esforço de Luiz Fux, presidente do TSE, para impedir sumariamente o pedido de registro da candidatura presidencial de Lula não se explica por uma compreensível preocupação com o princípio da celeridade da Justiça.
A questão é outra. Num momento de crescente de incertezas e mal estar diante da Lava Jato, tanto nos meios jurídicos como na aprovação popular, a prioridade é impedir qualquer distúrbio no esforço para retirar Lula da campanha presidencial, prioridade máxima da classe dominante brasileira na complicadíssima sucessão de Temer.
Num sintoma da situação, recentemente um dos principais formuladores da Ficha Limpa fez chegar a defesa de Lula a disposição de preparar um parecer favorável ao ingresso do ex-presidente na campanha presidencial. Pela estatura do personagem, a sugestão teria um efeito-bomba nos meios jurídicos e seu parecer não poderia ser ignorado nem mesmo por uma mídia comprometida até a medula com a necessidade de tentar legitimar a exclusão de Lula.
O cálculo é elementar. O veto antecipado tenta evitar qualquer ruído no esforço de afastar o ex-presidente — líder em todas as pesquisas e todas as simulações, de todos os institutos — que poderia comprometer toda tentativa de dar credibilidade a uma condenação que é contrariada pelas provas documentais.
Num período de baixa do prestígio do Judiciário aos olhos da população, quanto maior for a truculência, mais evidente será o teor político do julgamento.
A brecha a favor de Lula encontra-se no artigo 26-C. Ali se deixa claro que, ao contrário da visão convencional meticulosamente construída pela mídia do pensamento único, a eliminação de um candidato com dupla condenação não é automática. Pode passar pelo exame de novo recurso, em tribunal superior, abrindo a possibilidade para que a exclusão possa ser reavaliada. A leitura do artigo 26-C informa que “o tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal.”
Em português claro: o recurso não só deve ser examinado mas, caso se considere que há “plausibilidade” na argumentação da defesa, sua inelegibilidade pode ser suspensa até um exame definitivo da condenação. Não é uma declaração de intenções nem uma especulação — está ali, na legislação aprovada pelo Congresso.
É justamente contra esse ponto que Fux faz objeções, sugerindo que o plenário do TSE deveria se reunir para tomar uma medida preventiva.
Em vez se aplicar a legislação em vigor, como prevê a Constituição, a ideia não muito oculta consiste em autorizar o TSE a reinterpretar a lei existente conforme a visão dos atuais integrantes do plenário. Embora já tenha antecipado seu julgamento quando definiu Lula como “irregistrável”, o esforço de Fux esbarra garantia prevista numa lei aprovada em decisão unanime do Congresso — o único voto contrário foi de José Genoíno –, avalizada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para modificar essa regra, seria preciso convocar os próprios parlamentares para que eles emendassem a lei — hipótese fora de cogitação quando se recorda que o prazo para inscrição de candidaturas se abre em agosto.
Pela legislação em vigor, dois tribunais podem debater a tese de que a defesa de Lula tem “plausibilidade” a ponto de impedir que a candidatura seja rejeitada de modo liminar.
Cabe reconhecer que em nenhum deles o ex-presidente conseguiu, até agora, reunir uma maioria de votos a seu favor em decisões recentes. No Superior Tribunal de Justiça, Lula foi derrotado por 5 a 0 quando tentou o habeas corpus contra a antecipação do cumprimento da pena. O outro tribunal é o Supremo, no qual o mesmo pedido foi negado, por uma diferença de 3 a 2. Neste caso, nunca é demais recordar, o voto de desempate foi proferido pela presidente Carmen Lúcia, numa intervenção contestada pela defesa com base nas garantias previstas na presunção da inocência a partir do princípio em dúvida, pró réu.
Essas duas derrotas recentes permitem imaginar que, mesmo cumprindo, formalmente, o ritual previsto na Ficha Limpa, é grande a possibilidade de que se impeça Lula de abrir seu caminho para participar da eleição.
O fator é extrajudicial, claro. É bom ter em mente, neste início de junho de 2018, de que o veto à candidatura do ex-presidente tornou-se um desses raros pontos de acordo político da elite dirigente do país depois da deposição de Dilma Rousseff. Constitui uma unanimidade tanto na Faria Lima como no Jardim Botânico, inegociável como o fim da CLT e o projeto de derrubar a Previdência Social na primeira oportunidade.
Essa condição — prioridade política máxima da coalização adversária — dificulta todo esforço para que o bloqueio a Lula seja revertido, ainda que existam bases jurídicas para isso — a começar pelo caráter precário da denúncia do triplex do Guarujá, desmentida até por provas documentais.
Mas resta, de qualquer modo, o problema de saber o que ocorre até uma decisão final.
Vivemos um país onde a única candidatura presidencial firmada é a do próprio Lula, enquanto eventuais adversários entram e saem do palanque sem dizer o que foram fazer ali. Nesta situação, quando a proximidade de um abismo profundo é reconhecida por um número cada vez maior de analistas, ninguém sabe como a maioria dos brasileiros e brasileiras poderá reagir diante da possibilidade de salvar a candidatura de Lula e, através dela, o destino do próprio país.