Editorial do site Vermelho:
A defesa da Constituição tende a se transformar no ponto unificador da oposição ao governo do presidente eleito Jair Bolsonaro. O prognóstico se baseia na constatação de que na Carta Magna estão os fundamentos do processo civilizatório da nação brasileira, a síntese dos elementos progressistas que superaram etapas históricas e derrotaram governos autoritários e regimes ditatoriais.
Em torno da Constituição se formou um pacto político-institucional que, mesmo com limitações, possibilitou mais um importante salto progressista no país.
Com esse norte, é possível aglutinar um amplo leque de forças políticas, sociais, econômicas, culturais, em alguns aspectos até díspares, uma heterogeneidade com a missão precípua de impedir retrocessos democráticos.
A necessidade dessa frente ampla se impõe pelas ameaças, na prática, do presidente eleito de reduzir a Constituição a farrapos — embora ele faça proselitismo a favor da legalidade democrática, não raro entremeado por desatinos autoritários. Como Bolsonaro vem cumprindo o que disse na campanha eleitoral, a prudência recomenta que não se faça ouvidos moucos às suas ameaças.
Com essa realidade a vista, cumpre sobretudo às forças consequentes do campo oposicionista agir com flexibilidade para montar esse engenho de resistência democrática.
A primeira tarefa dessa agenda é a garantia de vigência do Estado Democrático de Direito, uma pré-condição para se estabelecer o debate sobre as propostas para tirar o país da crise econômica e política. A pluralidade de ideias e propostas precisa, para vicejar, de um ambiente arejado e iluminado pela democracia. E isso quer dizer lutar, em primeiro lugar, para não permitir que os canais de participação popular sejam obstruídos e mesmo criminalizados.
Essa premissa é a base da Constituição, estabelecida já no seu preâmbulo como valor supremo de uma sociedade pluralista. Ao defendê-la, as forças políticas e ideológicas que se fundamentam no Estado Democrático de Direito criam condições para o desenvolvimento de plataformas políticas de acordo com seus princípios programáticos. Além dos partidos políticos, cuja variedade retrata a diversidade da sociedade brasileira, é indispensável, nesse ambiente democrático, a garantia de livre manifestação dos movimentos populares, das entidades e centrais dos trabalhadores, e de personalidades intelectuais, artísticas e religiosas.
O Brasil conhece bem esse ambiente democrático, resultado de uma dura luta contra o regime de arbítrio que interditou a democracia no país por longos vintes anos, à base da violência. Desde a promulgação da Constituição em 1988, todos os brasileiros desfrutam de direitos nunca vistos na história do país. Mas isso custou o sacrifício de vidas, de torturas, de cárceres. Custou, antes da ditadura militar, um longo processo de acumulação de experiência advinda de vigorosos processos políticos, como a Revolução de 1930, a resistência ao violento Estado Novo e a defesa da democracia entre 1945 e 1964.
O atual processo político reproduz essa trajetória, que não deixa margem à dúvida sobre qual rumo tomar.
Substantivamente esse rumo é a oposição ao governo Bolsonaro.
Do exercício da oposição em suas múltiplas frentes é que progressivamente irá germinar, crescer e florescer essa frente ampla e heterogênea. Obra que exige ação política desprendida, iniciativas concretas e entendimento sobre o que aparece como necessidade de primeiro plano para se estabelecer novas formulações com vistas a enfrentar a dura realidade que se anuncia.
É certo que há desafios, obstáculos para além das ações do governo Bolsonaro. Entre esses desafios: diferenças e divergências que há no campo da oposição em temas como hegemonia, tipo de oposição a ser exercida, programa, composição e abrangência da Frente e projetos eleitorais às eleições vindouras.
A busca de caminhos para as oposições defenderem a democracia e enfrentar as propostas autoritárias prometidas por Bolsonaro se apresenta como imperativo que deve se sobrepor a legítimos dissensos que serão dirimidos, sem concepções sectárias e hegemonistas, no transcurso da longa jornada que apenas começou.